domingo, 28 de março de 2010

Administração e política em um governo provincial

A falta de rosto da narrativa histórica em O Império das Províncias revela suas consequências mais negativas logo no segundo capítulo, que trata de expor o processo de criação das instituições políticas e administrativas da Província do Rio de Janeiro. Dois fatos que seguem sem explicação no texto - a manutenção de parte da administração tributária da província sob o comando do Governo Geral e o rápido crescimento da Secretaria da Presidência - se tornam não apenas transparentes, mas elementos cruciais para o entendimento do processo em curso, quando se leva em conta o simples dramatis personae.

O momento decisivo ocorre justamente na passagem entre 1835 e 1836, quando Joaquim Rodrigues Torres se desloca para o ministério e deixa seu concunhado, Paulino José, na presidência da Província. A dança de cadeiras é a marca da articulação da política e a administração das duas esferas: Rodrigues Torres vai preparar a conversão conservadora do Governo Geral e Paulino, como deputado geral e como presidente de Província, vai organizar uma sólida base de poder local.

Trata-se da verdadeira operação saquarema em curso. O mesmo presidente de Província que comanda a criação das instituições administrativas locais é o deputado geral que está na vanguarda da aprovação do Ato Adicional. Nesse ponto, é frágil a dicotomia centralização-descentralização. Paulino, na verdade, está fazendo um Estado (a Província) sair de dentro de outro (o governo Geral) de acordo com as condições de máxima segurança de ambas as partes. Como o Rio de Janeiro exporta mais de 70% do café do país e gera mais de um terço das receitas públicas, competições e disputas não fazem sentido. É preciso extrair máximo rendimento político tanto da presença saquarema no gabinete, como de sua atuação provincial. A Mesa de arrecadação das rendas provinciais não é incompatível, portanto, com o controle do governo Geral.

E o movimento político é simultâneo. Quanto mais os saquaremas nacionais ampliam seu poder na Corte, mais independentes se tornam para ampliar seu poder na Província. Paulino é deputado geral e também Presidente. Como este é a autoridade decisiva no plano local, nada mais natural que amplie o comando administrativo sobre a máquina em expansão por meio justamente de uma Secretaria. É a futura tese do Visconde de Uruguai em funcionamento avant la lettre: separar a política e administração. Logo a seguir, por sinal, passado o interregno da Maioridade, as cadeiras se movem. Paulino vai ao ministério da Justiça, Honório Hermeto, seu velho aliado, ocupa a presidência da Província do Rio de Janeiro.

Assim, a centralização saquarema não é antitética ao desenvolvimento das instituições provinciais. Ao contrário, a sintonia política entre a Corte e a Província permite a consolidação das duas esferas.

O Império das Províncias ou A História sem Rosto

O Império das Províncias. Rio de Janeiro, 1822-1889. (2008), de Maria de Fátima Silva Gouveia, é um trabalho pioneiro pela abordagem: o foco na construção institucional de uma administração provincial brasileira. Há vários estudos sobre centralismo e federalismo no Império, mas nem sempre é claro o que era, exatamente, um governo provincial. Maria de Fátima estuda justamente a entidade política mais importante. Ao menos até os anos 1870.

O primeiro capítulo, oferecendo o contexto econômico e geográfico da Província, carece, contudo, de precisão. Não há crítica dos dados orçamentários que estão, por sinal, mal apresentados. Além disso, o texto oferece mais um exemplo de história sem gente. Quer ser um registro das principais iniciativas administrativas, mas não há menção aos presidentes e suas decisões. Paulino, que governou a província por vários anos decisivos, recebe aquela menção impressionista clássica de historiador brasileiro: “um dos mais importantes, etc e etc”. Como alguém escreve sobre os primeiros anos da gestão provincial do Rio de Janeiro sem falar de Paulino?


Sobre a estatística nos relatórios dos presidentes de Província

"Só quem se dá ao estudo dessas questões poderá avaliar as dificuldades com que tenho laborado e continuo a laborar para colher os elementos de que careço, visto que dos relatórios das presidências raro é o que traga dados estatísticos e principalmente sobre a produção agrícola; base principal, segundo minha exígua opinião, em que devem repousar as deliberações administrativas. Só depois de estabelecida uma repartição que especialmente se ocupe da estatística do país será preenchida essa sensível lacuna, de que se ressente no Brasil a autoridade administrativa" (Soares, 1860, pág 219)

Não era o caso de Paulino, ponderação facilmente constatada em seus excepcionais relatórios publicados em 1839 e 1840.

domingo, 7 de março de 2010

Sobre a Província do Rio de Janeiro

O livro de Sebastião Ferreira Soares é um marco na pesquisa econômica no Brasil, recolhendo informações quantitativas preciosas sobre a produção agrícola do país. Publicado em 1860, traz capítulos específicos sobre os principais produtos e também descrições da situação econômica das províncias do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. O capítulo sobre a província do Rio de Janeiro pode servir como indicação, ainda que tardia, sobre o espaço geográfico e econômico administrado por Paulino José entre os anos de 1836 e 1840. Soares, ao iniciar seu texto, não economiza adjetivos:

"A província do Rio de Janeiro, na qual compreendo o município da Corte, é sem dúvida a mais importante das do Império do Brasil, sob qualquer ponto de vista em que for observada. Tendo um dos melhores, senão o primeiro porto do mundo, e uma posição geográfica a mais conveniente para o comércio geral da Europa e da América, cuja franca barra está situada na latitude sul de 22.50.30 e longitude oeste 43.4.30 do meridiano de Greenwich; possuindo um clima ameno e salubre, parece que foi mesmo criada pela inteligência divina para sede de uma poderosa monarquia e para o empório do comércio do universo. Não me cega o patriotismo estas convicções de minha alma" (pág 198).

Soares atribui à Província cerca de 1 milhão e 300 mil habitantes, dos quais ao menos um terço viveriam na Corte. Menciona seus maiores rios (Itabapoana, Macaé, São João e Guandu) e as dez comarcas, além da Corte: Niterói, Campos, São João da Barra, Macaé, Santo Antônio de Sá, Cabo Frio, Itaguaí, Mangaratiba, Angra dos Reis e Parati. As maiores estradas de rodagem, em seu tempo, eram a Petrópolis-Paraíba do Sul, a Presidente e a de Itaguaí. Três vias férreas estavam em construção e havia ainda dois canais de navegação, o Macaé-Campos e o do Nogueira.

A Província produzia principalmente café e cana de açúcar. Soares estima de 3/4 da produção de café vinha da Província, que gerava cerca de um terço das rendas do Governo Geral. O valor das exportações, no período 1853/1854 passava de 37 mil contos de réis.



sábado, 6 de março de 2010

Receitas provinciais em 1838

Os quadros de número 2 e 3 do Relatório do presidente da Província trazem os valores da arrecadação da mesa do consulado na Corte de abril a dezembro de 1838. Ela soma, em nove meses, cerca de 312 contos e 863 mil réis, pouco mais de 36 mil e 500 libras ouro, no chamado câmbio implícito.

Não há mistérios sobre suas fontes. A dízima sobre o café de 4% representava 96,6% do total e a dízima sobre o café de 3% outros 2,8%. As dízimas sobre o algodão e a aguardente são valores marginais na arrecadação. O custo da arrecadação (salários e expediente da mesa do consulado), por sua vez, totalizava 3% das receitas.