sexta-feira, 29 de julho de 2011

Referência devida

Deve ser registrado que qualquer comentário mais detalhado sobre o Golpe da Maioridade deve começar pelas obras de Tristão de Alencar Araripe, Notícia sobre a Maioridade (1881), conferência lida perante o próprio Imperador D. Pedro II e mais tarde publicada pelo IHGB, e de Aurelino Leal, Do Ato Adicional à Maioridade (1914), tese apresentada ao Congresso de História do Brasil.

Foram ambas publicas em volume útil, que também contém material documental raro, pelo Senado Federal em 1978, justamente o volume 8 da Coleção Bernardo Pereira de Vasconcellos. O "gênio do mal", como queriam os liberais.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Uma crise política ao estilo brasileiro

O chamado Golpe da Maioridade e também seus desenvolvimentos posteriores revelam traços que se tornarão clássicos da política brasileira: o uso hábil do calendário político; a desconfiança geral provocada por processos de concentração de poder, o uso ambíguo das manifestações da opinião pública e da ameaça de uso da força, manobras de última hora e notável capacidade de acomodação.

A discussão sobre o mandato presidencial durante a Constituinte (1987-1988) e na revisão constitucional de 1993, por exemplo, estão na mesma série de manobras que buscam manipular a real extensão do mandato do Executivo, como era o caso em 1839-1840. Os liberais, alijados do poder pela renúncia de Feíjó, assistiam impotentes a ascensão conservadora, mas sabiam muito bem que uma reversão de poder estava no horizonte quando Pedro II se tornasse maior. Ora, se a maioridade era política aos 18 anos, podia ser também aos 15 anos. Ao mover a conspiração, aliados menores da maioria conservadora começaram a pensar em seu destino fora da rédea curta de Araújo Lima e Vasconcellos, a "camarilha", na linguagem de então.

A única peça a ser ajustada era a disposição de Pedro II em assumir as rédeas do governo, mas, nesse caso, seu espírito era estimulado por seu círculo próximo, que também almejava o poder. Há detalhes interessantes: a natureza do conhecimento das intenções de D. Pedro II tinha sua relevância específica. A informação, obtida de forma reservada, alimentou a conspiração do Clube da Maioridade, mas ela só se tornou realmente pública, pela interação dos líderes com o monarca, na hora decisiva do dia 22 de julho. Curiosamente, o próprio D. Pedro II negaria a afirmação decidida do quero já. Disse que as coisas "não haviam se passado desse jeito".

Se a disposição do monarca era um segredo de polichinelo, a maioridade nunca ganhou no voto, sendo derrotada na Câmara e no Senado. As margens, contudo, não enganavam ninguém sobre a proximidade do desenlace. Neste ponto, os conservadores tentam o golpe, com o decreto de adiamento da abertura da Câmara e o ministério das nove horas, chefiado por Vasconcellos.

Nenhum dos lados, mesmo na hora decisiva, sentiu segurança para convocar tropas e comandantes militares, que apenas compuseram o cenário. Os fatos se precipitaram, não houve tempo para conspirações. No fim, a aliança de áulicos, de governistas descontentes, de liberais, chefiada pelo monarca, encenou liderar manifestações populares, mas qualquer brasileiro sabe o que isso significa. Em dois dias, o assunto foi resolvido, restando apenas, de mais grave, a frase de um deputado chamando de prostituída a Câmara que lera o decreto de adiamento e a ameaça de pugilato em que se envolveu Honório Hermeto no plenário.

De sábio, a legenda atribuída a Pedro II: quando se trata do poder, quero já.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Ministro por dois meses

Um ofício lido na Câmara dos Deputados no dia 25 de maio de 1840 informa os parlamentares da nomeação de Paulino José para a pasta da Justiça. Disse mais tarde que aceitou por "injunção de amigos", que só poderiam ser Rodrigues Torres, Honório Hermeto e, naturalmente, Bernardo Pereira de Vasconcellos.

Teve atuação discreta em uma conjuntura completamente dominada pela questão da maioridade de Pedro II e pelo vontade quase geral de impor uma derrota definitiva a Vasconcellos, "gênio do mal", como lhe chama um deputado. Estuda o Código de Processo, envia instruções para o novo comandante militar no Rio Grande do Sul e começa o planejamento de um jornal que apóie realmente o gabinete, agora ou depois. Na condição de ministro, envia cinco ofícios à Câmara, dois deles esclarecendo a situação de presos em rebeliões locais no Pará e na Bahia. Nesse último caso, por sinal, inclusive de degredados para a ilha de Fernando de Noronha.

Pelas discussões parlamentares, vê-se com clareza que o Regente, o gabinete conservador e sua eminência parda estavam se excedendo na repressão de certas situações estaduais. No Brasil, essa prática assusta os que são vítimas e também os que podem ser. Na turbulência da Câmara, Vasconcellos é o alvo de todos, Rodrigues Torres defende, Honório Hermeto está na linha de frente, mas Paulino mantém sua reserva. Cerebral como sempre.

domingo, 17 de julho de 2011

Golpe da Maioridade: conceito e importância

O nome com que passou à História - golpe - talvez não faça jus à manobra parlamentar que produziu a queda do gabinete conservador e a ascensão - momentânea - dos liberais ao poder. Não se disparou um só tiro, nem um soldado moveu-se nos quartéis e o procedimento regimental adotado, a reforma da Constituição, foi perfeitamente aceitável e legítimo. Seu fundamento obedece fielmente às teses de William Riker sobre coalizões de poder e o objetivo final foi conquistado com o auxílio de um genuíno apelo à opinião pública.

O chamado Golpe da Maioridade de 22 de julho de 1840 revela, assim, uma elite política hábil no jogo parlamentar e capaz de mobilizar de forma criativa os recursos institucionais sem recurso à violência. Ao final do processo, foi estabelecido um modelo endógeno para a sucessão no poder e, ao incorporar um monarca de 15 anos ao poder, deixou no centro dos Poderes Executivo e Moderador um personagem intrinsecamente limitado no uso pessoal do poder.

O sistema político capaz de produzir o Golpe da Maioridade teria a oportunidade de educar o titular de boa parte de seus poderes. Enquanto D. Pedro I tinha a ambição de reinar sobre um sistema político que havia inventado a partir do nada; D. Pedro II emerge de seu interior, ainda adolescente, aprendendo e modificando suas regras.

Depois de um início brilhante nos anos da Regência, a carreira política de Paulino José alcançará outro patamar na esteira da reação conservadora ao Golpe da Maioridade.

A queda do poder: o Golpe da Maioridade

Os relatórios do presidente da Província do Rio de Janeiro assinados por Paulino transmitem uma sensação de normalidade política e ativismo administrativo. A leitura de suas páginas não oferece pistas sobre a turbulência política vivida pelo país naqueles anos, apesar da posição ocupada por seu autor no jogo parlamentar. Reeleito deputado geral em 1838, Paulino liderou, na Câmara, a aprovação da Lei de Interpretação do Ato Adicional, revertendo o federalismo autofágico de 1834, mas também testemunhou de perto as primeiras fissuras da vitoriosa maioria conservadora. Esse fenômeno se tornará familiar na vida política do país: o ato político da centralização é apenas a véspera da instalação do conflito interno entre os vitoriosos. A Lei de Interpretação é aprovada no Senado em 12 de maio de 1840, mas no dia 7 já tramitava na Câmara dos Deputados uma proposta concedendo a imediata maioridade do Imperador Pedro II e, por decorrência, desalojando os conservadores do poder.

Nos estertores, um brilho final e fugaz. Um novo gabinete é formado a 18 de maio de 1840, sob a presidência de Caetano Maria Lopes Gama, o Visconde de Maranguape, e no dia 23 assume a pasta da Justiça Paulino José Soares de Souza. Nesse momento, tornou-se ministro, deputado e presidente da principal Província do país. Será ministro por apenas dois meses.

Escrevendo, mais tarde, sobre os eventos, Paulino acusará os liberais de abandonar a luta contra a Lei de Interpretação porque já estavam envolvidos na conspiração em favor da maioridade. De fato, durou pouco a resistência do gabinete no Parlamento e em 22 de julho de 1840 D. Pedro II era declarado maior e capaz. Um novo governo, o gabinete de 24 de julho de 1840, formado por liberais e ex-aliados dos conservadores será instalado. No mesmo dia de sua instalação, Paulino recebe as duas demissões, como ministro da Justiça e como presidente da Província do Rio de Janeiro. Parecia encerrada uma brilhante carreira política.