segunda-feira, 31 de agosto de 2009

"De todas as formas de governo..."

De todas as formas de governo até hoje conhecidas, antigas e modernas, é a federativa aquela que é geralmente havida como a mais complicada. E se ao elemento federativo se ajuntar o monárquico, a complicação se torna ainda maior. Assim começa Paulino seu comentário ao artigo 2 do projeto de lei de interpretação. A monarquia concentra poder, o federalismo dispersa; por isso ele sugere duas regras para sua harmonia: 1, conservar ao elemento monárquico todas as atribuições em que são necessárias centralização, unidade e força; 2, deixar pelo contrário ao elemento federativo todas aquelas a cujo exercício não prejudica o fracionamento. É preciso definir claramente as atribuições e o poder de cada um desses domínios.

Retorna então à definição do que são empregos provinciais e municipais, afirmando que estes não podem ser, como querem os liberais, os empregos gerais situados nas províncias. Essa situação torna impossível, por exemplo, o funcionamento do Código de Processo e todos os demais códigos legais nacionais cuja execução exija a criação de empregos públicos: a legislação nacional dependeria, na sua aplicação, de mais de uma dezena de legislações provinciais. Pouco importa que a letra do Ato Adicional sugira exatamente isso: Paulino enumera vários comentadores franceses e norte-americanos que justamente afirmam que a interpretação da lei não pode implicar absurdos.

Na verdade, insinua Paulino, os liberais estavam ficando sem argumentos porque o texto do Ato Adicional não fazia sentido político e administrativo e já buscavam criar suspeita em torno de tudo. Responde a Ottoni (que havia deixado a sala de sessões) que enxergara uma tentativa de deprimir as assembléias provinciais, chamadas de assembléias de províncias no texto do projeto:

Bem sei que o título das leis não requer harmonia poética, contudo toda a vez que pudermos reunir alguma harmonia com a justeza da expressão, não vejo razão para que não se faça; peço porém ao nobre deputado que perca o hábito de lançar cores sinistras sobre as expressões de intenções dos outros. (Anais, Sessão de 17 de junho de 1839, pág 442).

sábado, 29 de agosto de 2009

"Vejamos se a doutrina dos nobres deputados"

Prossegue o discurso de 17 de junho de 1839 e ele começa pelo artigo 10, parágrafo 4, do Ato Adicional que entrega às assembléias provinciais a legislação sobre “polícia e economia municipal”.

Entendendo essa determinação como incondicional, cada assembléia provincial definiria a órbita da ação da própria Assembléia Geral. Não adianta recorrer, nesse ponto, à análise da Constituição dos Estados Unidos para entender o que significa “polícia e economia municipal’: a solução está em nossas instituições, na definição das câmaras municipais estabelecida pela Constituição e pela lei de 1 de outubro de 1828. É essa a legislação que deve ser vir como referência para a compreensão do Ato Adicional e ela estabelece as câmaras como corporações econômicas e administrativas. O artigo 66 da lei de 1828 fixa as atribuições das câmaras e nelas não se compreendem atribuições de natural judiciária.

Os deputados liberais, comenta Paulino, querem extrair tal justificativa da autorização legal, dada às câmaras, de estabelecer posturas sobre as vozerias nas ruas em horas de silêncio, injúrias e obscenidades contra a moral pública. Acham que isso é polícia judiciária municipal. Mostraram que não têm a menor idéia do que seja polícia judiciária. A nossa está perfeitamente definida nas leis de 6 de junho e de 26 de outubro de 1831 e também no Código de Processo. Não há exemplo estrangeiro, nem nacional de uma polícia judiciária municipal.

Qual seria a conseqüência de uma polícia judiciária municipal, organizada segundo leis aprovadas por assembléias provinciais? Segundo a doutrina que estabelecem os nobres deputados a quem me tenho referido, as regras relativas à polícia judiciária, isto é, à instrução do processo, devem ser propostas às assembléias provinciais pelas câmaras dos municípios. Eu não me acho habilitado para dizer com exatidão o número de municípios que poderá haver em todo o império; mas suponhamos que são 300; o seu número não poderá ser menor; poderíamos portanto ter 300 diversas espécies de regras da instituição do processo, isto é, uma parte importantíssima e considerável do Código de Processo poderia ser concedida e decretada por 300 diversas maneiras” (Anais, Sessão de 17 de junho de 1839, pág 439). Como ficam os recursos aos tribunais superiores? Como harmonizar a parte dos códigos uniforme em todo império e as 300 formas de instrução do processo?

A Assembléia Geral, quando legislasse sobre processos, enfrentaria mais de uma dezena de legislações provinciais e as assembléias provinciais, quando legislassem, teriam de lidar com dezenas de leis municipais.Taes são os resultados da invenção de uma polícia judiciária municipal que é coisa que não existe nas nossas instituições.

O mais grave, contudo, é que, como é trivial notar, as garantias individuais expostas no Título 8 da Constituição, seriam parcialmente definidas e organizadas por mais de 300 legislações municipais. Os deputados que tanto prezam as liberdades públicas estão apresentando doutrinas que as viriam destruir..

sábado, 22 de agosto de 2009

Sessão de 17 de junho de 1839

A resposta de Paulino a Ottoni veio em um excepcionalmente longo discurso, logo na sessão de 17 de junho. Cáustico e detalhado, examina cada aspecto da Lei de Interpretação.

A Câmara sabe que não tenho por costume tomar-lhe o tempo com meus discursos, assim ele começa, lembrando que as objeções dos liberais ao texto da Lei de Interpretação atingem tanto o apoio dado por um deputado liberal de São Paulo, membro da comissão de assembléias provinciais, como as instruções de outro deputado liberal, por Minas Gerais, signatário das normas sugeridas a 9 de dezembro de 1835.

Paulino não se furta a uma ironia: Ora, quando o nobre deputado, autor do requerimento hostiliza assim os que pertencem a seu lado, não é por certo de admirar que pela mesma forma trate os seus contrários. Os nobres deputados a quem me refiro que se defendam; eles o farão por certo muito melhor do que eu o poderia fazer.

O projeto não é “impolítico”, sustenta Paulino: passou em todas as discussões regimentais. O debate sobre redação só cabe quando se trata de incoerência, contradições ou absurdo manifesto. É assim necessário para que as discussões tenham um termo. As contradições precisam ser internas ao texto e não de natureza doutrinária. O requerimento em questão nada examina de contradições e incoerências, acusando o projeto de ser “absurdo”. O absurdo é que o projeto reforma, em lugar de interpretar, e avança em matéria constitucional.

Ora, argumenta Paulino, avançar em matéria constitucional pode ser usurpação, uma incompetência, mas não um absurdo. Nem sempre é absurdo aquilo que é contrário à lei. Porque nem sempre a lei é a razão e o senso comum; nem sempre a razão e o senso comum é a lei. E se assim não fora, tendo cada país leis diversas, seria também diversa a razão e o senso comum, que é porém universal e único em todos os homens. Se o que é contrário à lei fora sempre absurdo, todos os crimes seriam absurdos e os códigos penais seriam códigos de absurdos. O argumento de que a Lei reforma e não interpreta já foi superado na discussão do ano anterior.

A oposição não se calou, como anunciou Ottoni, mas participou da discussão; os que se calaram, o fizeram por livre vontade. Deve-se abrir nova discussão apenas porque mantiveram o silêncio? Se se admitirem semelhantes precedentes, nunca terão fim as nossas discussões.

Após denunciar o comportamento desleal da oposição, começa, então, o exame do texto.

"outras vezes arranjar certo negócio"

Os excelentes sites monarquistas brasileiros, vez por outra, caem na tentação de sugerir que a política imperial exibia padrões éticos superiores, quando comparada a outras épocas. Discursos como o de Teófilo Ottoni, exbidos abaixo, ajudam a qualificar essa visão.

Tomemos o seu primeiro comentário sobre a relação distante que o presidente de Província, um indicado pelo gabinete, tinha com a política local: Um presidente que vai para a província às vezes tratar de certa eleição, outras vezes arranjar certo e determinado negócio, como pode tomar um interesse tão imediato pela província como chefe do estado? Não é necessário se estender sobre a sugestão feita pelo líder liberal.

O trecho mais interessante vem a seguir, quando examina as polêmicas regras do artigo 8 da Lei de Interpretação. O artigo estabelece que, mesmo que o presidente da Província negue sanção a uma lei provincial, alegando inconstitucionalidade, ela continuará em vigor até que a Assembléia Geral se pronuncie. De fato, Ottoni tem razão: se o objetivo de um poder de veto mais robusto era fazer do presidente de Província um instrumento de controle constitucional e de moderação da indendência provincial, o artigo era realmente cerebrino.

Mas boatos correram que a representação de Pernambuco não estava satisfeita com a interpretação do ato adicional, pois iria revogar leis em vigor e causariam abalo. Ottonio então reporta a suspeita de uma transação, conduzida pelo ministro da guerra do gabinete de 1837. A Lei de Interpretação ganharia essa provisão e a bancada de Pernambuco continuaria dando apoio ao governo. Nesse trecho, Ottonio sugere que a transação era meramente política, ao contrário de outras transações conduzidas por Vasconcellos. Conclui Ottoni: uma coisa convém ou não, mas legislar-se com receio de certas influências, legislar-se por transações a respeito do Ato Adicional, a respeito da Constituição, não me parece muito decoroso.

Declara-se contra qualquer tipo de transação e votará contra. O debate, contudo, terminou adiado pela hora.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Um regulamento para a Guarda Nacional

José Antônio Soares de Souza abre o quarto capítulo de sua biografia confirmando uma impressão causada pela leitura dos Anais. Reeleito em 1838, Paulino participou apenas dos debates da Lei de Interpretação. Sua influência maior já tinha outra natureza: o respeito e as demandas do ministro do Império e da Justiça, Bernardo Pereira de Vasconcelos. Ainda em 13 de agosto de 1837, pedia, em carta, um regulamento para a execução da Lei de Guardas Nacionais. Renovava o pedido em janeiro de 1839.

O “gabinete das capacidades”, contudo, cairia logo depois e os conservadores conseguiriam, no máximo, promulgar a Lei de Interpretação em 12 de maio de 1840. Nesse momento, o jogo parlamentar era outro: a batalha pela Maioridade do Imperador. Sinalizada, primeiro, por uma emenda ao voto de graça, em 7 de maio, apresentada por Aureliano, Antônio Carlos e Montezuma. Depois, por um projeto no Senado, de Holanda Cavalcanti. O Partido Conservador começava a rachar. (A Vida do Visconde, pág. 86).

domingo, 16 de agosto de 2009

Sessão de 10 de junho de 1839


Prossegue ainda a discussão da Lei de Interpretação. A oposição liberal insiste em debater o texto aprovado em três discussões, recusando-se a aceitar a votação apenas da redação. O deputado Antônio da Costa Rego Monteiro (1805-1859) apresenta uma indicação assinada por vinte deputados provinciais de Pernambuco contra sua aprovação.

Paulino não se abala. Classifica o requerimento de extemporâneo e lembra que o Regimento permite apenas o debate sobre a redação, não sobre o mérito de matéria que cumpriu as três discussões. Objeções à redação precisam ser feitas levando em conta as próprias palavras da redação e não a mera opinião do parlamentar. Se existirem tais contradições e absurdos poderá haver deliberação sobre seu retorno à comissão. Nenhuma representação da província de Pernambuco pode alterar o regimemento.

Ottoni novamente volta à carga, com um longo discurso. Ele começa pela marca dos opositores da Lei de Interpretação, acusada de incoerências, contradiçôes e absurdos. Ottoni não é ingênuo, sabe que vai perder em plenário, mas quer justificar seu voto perante o país. O alvo de suas críticas nem é mesmo Paulino, mas Vasconcellos a quem credita a intenção de promover o regresso não a 1831, mas a 1824, eliminando o germe federativo então posto na Constituição.

Na prática, contudo, seu discurso revela as dificuldades de sempre dos liberais. É o caso de sua revolta contra a independência legislativa dos municípios, que estavam sob o controle das assembléias provinciais sob o Ato Adicional. Quanto à autonomia irregular dessas últimas, lembra que o próprio Paulino, como presidente de Província, sancionou uma lei provincial sobre guardas nacionais.

Reconhece os problemas causados pelo Ato Adicional, mas pede uma reforma constitucional e não uma “interpretação”. Insiste que as assembléias devem ter poderes para legislar sobre todos os “empregos”; que os juízes possam ser julgados por leis provinciais e que as condições para o veto do presidente de província são excessivas. Nos tempos dos conselhos gerais, lembra ele, o Imperador podia autorizar as leis provinciais, mesmo sem a assinatura do presidente, sem ouvir a Assembléia Geral.

Por fim, ataca ferozmente as regras que permitem a vigência leis consideradas inconstitucionais pelo presidente de província, enquanto a Câmara não se pronunciar. Nesse ponto, porém, sua exposição da política imperial é tão deliciosa que reproduzo integralmente seu trecho final em nota posterior.

(Imagem: Teófilo Ottoni)

sábado, 15 de agosto de 2009

Três discursos

Três Discursos de Paulino José Soares de Souza é o terceiro título de sua obra publicada em vida, ao lado do Ensaio e dos Estudos Práticos. São discursos pronunciados nas sessões de 23 de janeiro e 7 de fevereiro de 1843, sobre as consequências da repressão aos motins liberais de 1842 e as crises do gabinete no início de 1843. A edição é de J. Villeneuve, Rio de Janeiro, 1852.

O primeiro deles tornou-se justamente célebre, tendo a mesma data da formação do gabinete José Antônio da Silva Maia, último antes do retorno dos liberais ao poder em 1844. Nele, por sinal, a partir de 8 de junho de 1843, Paulino ocuparia a Pasta dos Estrangeiros, sua primeira incursão no comando da política externa do Brasil.

O discurso é delicioso ao expor a mecânica do governo parlamentar no Império e a crise final do gabinete de 23 de março de 1841, em que Paulino era ministro da Justiça. Havia dois desafios. Primeiro, era um gabinente composto por senadores. Apenas Paulino era deputado e a maioria foi perdendo sua consistência, enquanto o governo tomava decisões duras para conter as rebeliões. Segundo, era necessário coesão interna e o notório Aureliano de Souza Coutinho, ministro dos Negócios Estrangeiros desde 1840, exercia sua influência "dissolvente", antevendo certamente o retorno dos liberais ao poder. Paulino e seus aliados, na verdade, se livraram do corpo estranho, tentando recompor o governo em torno de sua missão fundamental: conter as revoltas e rebeliões internas.

Conclui Paulino: É mais provável, porém, que a Câmara se pronuncie sobre os factos importantes que tiveram lugar; que no estado em que estão os negócios públicos ela faça sentir que detesta as rebeliões (muitos apoiados), que nada poupará para extinguir as causas que as têm produzido (apoiados), e para assegurar eficazmente a paz pública; ou então que diga ao país: - está tudo perdido. (Muitos apoiados).

O texto dos Anais da Câmara informa: "Este discurso, ouvido com silêncio religioso, interrompido somente por vários sinais de adesão, produz na Câmara profunda sensação. Muitos deputados se dirigem ao orador para cumprimentá-lo". (Sessão de 23 de janeiro de 1843).

Registro importante, 1866


Edição especial da Revista do IGHB, com artigo de Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882).

Questões do Prata, por nossos vizinhos



Importante exame crítico da obra diplomática de Paulino José, do ponto de vista de nossos vizinhos. Efraim Cardozo avisa, em seu prólogo, que os tempos de desconfiança e hostilidade estão no passado. Lá eles permanecem, contudo.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Cadeia Velha, Rio de Janeiro


A chamada Cadeia Velha, onde funcionou a Câmara dos Deputados por quase um século. O prédio foi derrubado, sendo neste local construído o atual Palácio Tiradentes. No Palácio, a Câmara funcionou até a transferência para Brasília em 1960 e hoje tem sua sede a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Observações sobre a vida parlamentar nos anos 1830

O primeiro fato distintivo da vida parlamentar da década de 1830 é o período das sessões, que então se estendia por cerca de quatro meses. O preceito constitucional refletia ainda as práticas parlamentares do Antigo Regime e algum preconceito com assembléias de funcionamento permanente, não sendo possível também descartar as dificuldades impostas pelos meios de transporte e de comunicação. Essa realidade tinha duas consequências políticas importantes: (i) o Parlamento, quando em sessão, era forçado a tomar decisões de forma rápida; (ii) sua capacidade de controle do Poder Executivo mostrava-se limitada.

Natural concluir que o adiamento de uma decisão era matéria grave, não havendo dois semestres legislativos no ano. Adiar uma decisão representava, muitas vezes, deixar o assunto para um próximo governo ou gabinete. Note-se, por sinal, que o regimento exigia três discussões e mais a votação da redação final.

Por sua vez, sem condições de exercer um controle administrativo e constante do Poder Executivo, o trabalho de fiscalização do Poder Legislativo se tornava eminentemente político. Questões de confiança eram mais relevantes do que questões substantivas em matéria de política pública.

Os requisitos para conquistar visibilidade na atuação parlamentar eram, assim, bastante pesados. Sua eleição dependia de uma vigilância contínua de sua máquina política local e de uma boa gerência dos instrumentos clássicos do clientelismo. Os poucos meses de sessão afunilavam as decisões e, para garantir destaque, o deputado precisava ter qualificação e habilidades oratórias. Coisa nem sempre fácil em um Poder Legislativo com escassa estrutura de assessoria e poucas comissões técnicas. O deputado contava sobretudo consigo mesmo. Se conseguia destaque, ele vinha por evidentes méritos intelectuais e políticos. Por fim, era conveniente a formação de uma reputação pessoal de crítico de governos, uma vez que a fiscalização de políticas públicas era quase inviável em termos regulares. A voz era o principal instrumento para modificar a tênue "opinião do país" ou chamar atenção do Monarca. Fazer barulho, como se dizia na época.

Não surpreende, portanto, o caráter geral da memorialística da época. A Câmara dos Deputados (e, em menor medida, também o Senado) devia apresentar um contraste muito marcado entre as grandes lideranças, os homens capazes de mudar o rumo dos eventos com um discurso ou uma peça legislativa bem desenhada, e as silenciosas bancadas estaduais, onde se postavam sem muito brilho os parlamentares que apenas sobreviviam aos embates eleitorais. Em termos contemporâneos, havia apenas os líderes e os 'baixo clero', sem esse setor intermediário hoje visível na Câmara dos Deputados, que cuida da defesa de interesses associados à imensa interface entre governo e economia.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Gabinete de 19 de setembro de 1837


O gabinete que preside a reação conservadora, após a renúncia de Feijó, tinha como principal figura o deputado Bernardo Pereira de Vasconcelos, ministro do Império e da Justiça. O deputado Antônio Peregrino Maciel Monteiro (o segundo Barão de Itamaracá) ocupava a pasta dos Negócios Estrangeiros e o ministro da Fazenda era Miguel Calmon du Pin e Almeida, o Marquês de Abrantes. Rodrigues Torres, depois Visconde de Itaboraí, era o ministro da Marinha e o deputado Sebastião do Rego Barros, o ministro da Guerra. Em 5 de março de 1839, Rodrigues Torres passa a acumular esta última. O programa, definido por Miguel Calmon, era a defesa da ordem legal e a pacificação do Rio Grande do Sul e do Pará. Oficialmente, seu período se encerra com a posse do segundo gabinete da Regência Araújo Lima, em 16 de abril de 1839.

Não é simples resumir a biografia de Bernardo Pereira de Vasconcellos (Vila Rica, 1795 - Rio de Janeiro, 1850), o comandante do "gabinete das capacidades". Basta registrar que o comando do governo em 1837 representa o momento chave de sua transformação, de líder liberal, um dos artífices da abdicação de D. Pedro I, em chefe conservador incontestável, patrocinador das reformas legais que consolidaram o Império.

Maciel Monteiro (Recife, 1804 - Lisboa, 1868), médico formado em Paris, teve uma breve carreira política como deputado e, da posição de ministro dos Estrangeiros passou a plenipotenciário em Lisboa, onde veio a falecer.

Miguel Calmon du Pin e Almeida, o marquês de Abrantes, (Santo Amaro, 1796 - Rio de Janeiro, 1865), também não tem uma biografia de fácil resumo. Recolhido após a abdicação de D. Pedro I, retornou à política para compor a oposição ao Regente Feijó. Depois de ministro da Fazenda, cumpre várias missões diplomáticas e retornará ao gabinete na década de 1860, enfrentando, na pasta dos Estrangeiros, a questão Christie.

José Joaquim Rodrigues Torres (São João do Itaboraí, 1802 - Rio de Janeiro, 1872), o Visconde de Itaboraí, teve uma longa carreira política, sendo deputado por várias legislaturas, senador, conselheiro do Estado e primeiro ministro por duas vezes (1852 e 1868). Foi um dos principais chefes políticos do Partido Conservador, membro de 'trindade saquarema', concunhado e patrono de Paulino José.

Sebastião do Rego Barros (1803-1863), militar e deputado, esteve envolvido em várias operações políticas dos governos conservadores, sendo presidente da província do Pará e chefe de Polícia na província da Bahia.

(Imagem: Bernardo Pereira de Vasconcellos)

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A tramitação da Lei de Interpretação

10 de julho de 1837 - A comissão de Assembléias Provinciais da Câmara apresenta seu projeto, assinado pelo relator, Paulino José Soares de Souza, e por Honório Hermeto Carneiro Leão e Miguel Calmon du Pin.

31 de julho de 1838 - Início da discussão na Câmara, que se estende pelas sessões de 25, 27, 28, 29, 30 e 31 de agosto e 1, 3, 4, 6 e 10 de setembro.

17 de setembro de 1838 - É concluída a terceira discussão e aprovada a matéria. No dia 27 é apresentada a redação, mas não havia mais número para sua votação.

3 de junho de 1839 - É lida a redação na Câmara dos Deputados. A oposição é renhida nas sessões de 3, 6, 8, 10, 11, 12, 14, 19, 20, 26.

26 de junho de 1839 - É pedido e votado o encerramento da discussão. A votação da redação final é nominal, 56 votos a favor, 23 contra.

2 de julho de 1839 - É recebido o projeto no Senado, a discussão começa no dia 6. Após 28 sessões de debates, apenas um artigo é votado, ficando os outros sete para o ano seguinte, apesar da sessão legislativa ter sido encerrada apenas em 1 de novembro.

14 de abril de 1840 - Desarma-se a oposição ao texto. A segunda discussão de todo o texto é concluída no Senado.

6 de maio de 1840 - Tem início a terceira discussão, concluída na sessão do dia 7, "depois de um pequeno tiroteio".

12 de maio de 1840 - Aprovado e remetido à sanção, é promulgada como a Lei n. 105.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Paulino e Ottoni (25 de maio de 1839)

Nos primeiros anos de sua carreira parlamentar, Paulino conquistou dois adversários de estimação: os liberais Antônio Paulino Limpo de Abreu (1798-1883), um brasileiro nascido em Lisboa, e Teofilo Ottoni (1807-1869), que se tornaria um ícone da política de Minas Gerais. Paulino raramente evita uma provocação, que ambos retornam quase sempre em tom elevado. O combate parlamentar brasileiro, naquele final da década de 1830, assumia uma feição combativa, pouco compatível com a visão de uma política de conchavos, praticada por membros de uma mesma elite econômica.

Vamos, por exemplo, à sessão de 25 de maio de 1839, praticamente na abertura dos trabalhos legislativos do ano. Em pauta, um requerimento do deputado gaúcho Álvares Machado pedindo a data da determinação que pedia o parecer do procurador da Coroa sobre as leis do Maranhão. Tratava-se de uma evidente provocação liberal, imediatamente contestada por Paulino.

Ele começa lembrando que é atribuição do governo examinar se as leis provinciais avançam sobre as atribuições da Coroa e admira-se da susceptibilidade dos nobres deputados da oposição depois que decairam as administrações que sustentaram. A acusação é bem desenhada. No poder, os liberais não se furtaram a adotar o mesmo procedimento e cita a ordenação de 10 de janeiro de 1837, que derrubou uma lei provincial do Espírito Santo. Lembra que o decreto de 23 de novembro de 1835 permitiu ao governo central dispor das rendas provinciais e que nos relatórios da pasta da Justiça sempre pediam que fosse conferida ao governo a capacidade de nomear juízes de paz, promotores e oficiais da guarda nacional.

Conclui: "Pergunta quais eram então os princípios dos nobres deputados da oposição que então sustentavam tais idéias, que estigmatizavam como regressistas, depois que deixaram o poder? Depois de várias observações conclui que os nobres deputados ou tinham essas idéias ou não. No primeiro caso, pergunta, porque apostatavam desses princípios? No segundo, diz que seguiam pessoas e não princípios e pede aos nobres deputados que não zombem do país e que não falem em princípios" (Sessão de 25 de maio de 1839, pág 151).

Ottoni chama o discurso de ameaça e diz que não se calará. O problema é entregar a revisão das leis provinciais ao procurador-fiscal, que decidiria enquanto a Câmara não está em sessão. Leis provinciais, sancionadas pelo presidente da Província, só podem ser revogadas por decisão do Poder Legislativo.

Ottoni não fez parte das maiorias anteriores e não se sente intimidado pelos argumentos de Paulino. Sempre censurou tais decisões e não haveria de parar agora. Se fosse então deputado, teria negado seu voto ao governo.

Aí começa a ironizar a susceptibilidade da administração passada, que não ouvem a menor censura sem ofensa a seus delicados tímpanos. Mencionou claramente a Rodrigues Torres, que acusou a oposição de ser acintosa e sistemática, e aproveita uma menção do ex-ministro dos Estrangeiros, que comparou o gabinete ao ministério Necker.

Ottoni os acusa da mesma manobra de Necker: criar tanta confusão com sua renúncia, que abriria o caminho para o retorno ao poder. Largaram o poder afim de melhor dar o bote.

Se esta era a esperança do ministério passado, acho horrível o seu desapontamento Com efeito, o que vemos nós? Aparecer no Senado uma maioria estigmatizando essa administração que em nada satisfez a confiança do corpo legislativo, apesar dos recursos que ele depositou em suas mãos.

Termina lembrando que a comparação com Necker é correta em mais um aspecto: pelo desastroso aumento da dívida pública.

O requerimento original não é votado, pelo adiantado da hora.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Processo legislativo em 1839

Há 170 anos atrás o processo legislativo não tinha como fugir de imprecisões tecnológicas e a sessão de 23 de maio de 1839 registra um episódio curioso. Em 5 de julho de 1838, a Câmara havia aprovado uma pensão de 600$ a ser dividida entre as filhas do coronel Luiz Maria Cabral do Teive. Na resolução, contudo, o nome de uma das filhas - Thereza - foi grafado incorretamente, ganhando um prenome - Maria. A resolução foi aprovada no Senado e subiu à sanção, quando então foi descoberto o erro. Apenas em 19 de janeiro de 1839 o ministro do Império reportou o assunto à Câmara e à sua comissão de redação. Esta última propôs uma nova resolução, corrigindo o decreto 51, de 25 de setembro de 1838, mas curiosamente elevou o valor a 660$. Paulino é um dos três deputados que assina o novo texto.

Pede-se a urgência, que é apoiada. O deputado Alvarez Machado lembra, contudo, que há dúvidas sobre o início do pagamento da pensão: do texto original ou da resolução em debate. O deputado Andrada Machado, que é pensionista, alerta que o valor é pago após a sanção. Alvarez Machado então propõe outra resolução, que apenas altera o texto original, sem modificar a data da sanção. O texto é considerado, mas Andrada Machado nota que bastaria deixar o tempo do verbo - é concedida a pensão - no passado. Também apresenta sua emenda.

Paulino não concorda com a emenda de Alvarez Machado, por se tratar de uma errata e não de uma declaração. Entende que esse tipo de resolução tem efeito retroativo e se incorpora ao texto decretado em 1838. De fato, a emenda aprovada é aquela apresentada por Andrada Machado.

Ao que tudo indica, as filhas do general Teive receberam sua pensão. Na condição ainda de capitão, Teive integrou a comissão militar do Ceará, responsável pela repressão dos revoltosos de 1824.

domingo, 2 de agosto de 2009

Uma sessão na Câmara


(Imagem: uma sessão da Câmara dos Deputados na antiga Cadeia Velha. Fonte: site de Câmara dos Deputados).