domingo, 31 de maio de 2009

30 de agosto de 1838

Prossegue a discussão do artigo 2 do projeto de Lei de Interpretação do Ato Adicional: "Sr Presidente!! Eu começarei por declarar que a interpretação proposta no artigo que se discute não é da comissão: se alguma glória pode resultar dessa interpretação, caiba ela a quem de direito pertence; se pelo contrário, algum desar pode provir dela, a comissão o repele de si. A interpretação consagrada no artigo 2 acha-se estabelecida pela mesma maneira no artigo 6 das instruções de 9 de dezembro de 1835, dadas pelo governo geral aos presidentes de províncias. (segue acima em arquivo *.jpg)."

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Um amigo do Brasil


D. Andrés Lamas (1817-1891) foi Embaixador do Uruguai no Brasil por todo o período em que Paulino conduziu, na condição de ministro dos Estrangeiros, a questão do Prata - a estabilização política do Uruguai e a derrubada do governo de Juan Manuel Rosas. Tornou-se amigo pessoal de Paulino. Seus Escritos Politicos y Literarios. Durante la guerra contra la tiranía de Juan Manuel Rosas (imagem ao lado), organizados por Angel Carranza e publicados, em Buenos Aires, pela Casa Editora Calle de Cangalle em 1877, tratam principalmente da espantosa violência política produzida pelo governo de Rosas depois de 1840 - uma justificativa suficiente para a intervenção militar liderada pelo Brasil no Prata. Talvez não seja necessário repetir as atrocidades aqui relatadas, mas, logo em suas primeiras páginas, há uma sensível e inteligente análise da sociedade brasileira e uma comparação de seus hábitos políticos com o resto de seus vizinhos hispânicos. Em breve, nesse blog.

27 de agosto de 1838

Discurso no plenário da Câmara dos Deputados, discussão da Lei de Interpretação do Ato Adicional:

"Sr Presidente eu reputo esta matéria muito importante e entendo que as questões de que se trata não podem deixar de ter muita influência sobre nossa sorte futura. E por isso entendo que a Câmara me permitirá que entre em alguns desenvolvimentos que não julgo estranhos. Finalmente, procurarei responder a algumas objeções apresentadas por um nobre deputado pela província de Santa Catarina que me precedeu.

Aos dissolventes que existem em muitas de nossas instituições como, por ventura, nas leis orgânicas da Guarda Nacional, da das muncipalidades e em nossos códigos veio ainda reunir-se a inteligencia destruidora que se tem dado a alguns artigos do Ato Adicional. É preciso a todo custo salvar a união das províncias; mas eu entendo que para isso seja necessário extinguir a Guarda Nacional, as municipalidades ou destruir os códigos e reformar ou destruir o Ato Adicional.

Entendo que se devem reformar aquelas instituições segundo as revelações de uma dolorosa experiência, ememdar-lhe os erros, e que devemos dar ao sobredito Ato Adicional uma interpretação que acautele os abusos e dúvidas a quem tem dado lugar.

Sr. Presidente oxalá que não cheguemos ao estado em que se viram os Estados Unidos com sua confederação de 1778 (apoiados) que 11 anos depois se viram obrigados a reformar pela sua constituição federal de 1789 pela qual investiram o governo da união de todos os poderes necessários, para que pudesse preencher o seu fim e defender-se das usurpações dos estados particulares. Quando os Estados Unidos, porém, fizeram aquela constituição federal de 1789 estavam eles amestrados com 11 anos de experiência desse sistema organizado defeituosamente. O congresso que organizou essa última constituição era em verdade pouco numeroso, mas tinha nele assento muitos dos varões mais ilustrados e virtuosos do tempo da Independência. Esta constituição, depois de organizada, esteve por dois anos sujeitas às observações daqueles que deveria reger. Foi nesse tempo que três ilustres americanos escreveram aqueles excelentes artigos que depois reunidos formam a obra imortal - do Federalista -. Neles se desenvolvem, se analisam, se consideram por todos os lados os princípios que constituem o governo federativo. Não obstante, aquela constituição somento foi adotada depois de haver sido discutida nos congressos dos diversos estados que então formavam a união.

(Comentário do blog: É notável registrar, em primeiro lugar, a menção a O Federalista, uma obra então recente de comentário constitucional, produzida no contexto norte-americano. Em segundo lugar, a surpreendente discussão das instituições do Império com o instrumental da análise clássica do federalismo. Paulino está avançando em terreno inovador em matéria de teoria política, conjugando a existência do Poder Moderador com o reconhecimento tácito de semi-soberanias. Nada mal para um discurso de 1838).

Tínhamos nós por ventura alguma experiência do sistema federativo quando as reformas foram decretadas? Nenhuma; custa-me a dizê-lo, mas devo aqui dizer a verdade, uma emenda escrita sobre a perna e mandada à mesa na terceira discussão, depois de uma votação, passava a fazer parte da constituição do Estado e era somente revogável segundos os trâmites que a constituição marca, isto é, por um poder constituinte. Não é, portanto, de admirar que seja necessária uma interpretação a diversos artigos do ato adicional. Eu cotejei o projeto original de reforma, tal qual foi apresentado com o Ato Adicional, e verifiquei que todas as dúvidas que têm ocorrido nascem das emendas que na terceira discussão lhe foram feitas.

Eu não tenho a intenção de ofender os seus ilustres autores, mas é minha convicção, os das emendas mencionadas não tinham uma idéia muito clara e perfeita do sistema federativo. Sou pouco amigo de protestações de fé, quero-as antes em obras do que em palavras. Julgo, contudo, dever declarar que não sou por maneira alguma contrário ao Ato Adicional. Se alguém, ou algum partido se levantasse para destruí-lo, eu faria por defendê-lo quanto me permitissem as minhas débeis forças. Entendo mesmo que, na época em que foi decretado, era...

(segue em modo gráfico, em nota acima, com o restante do discurso de 27 de agosto, cortesia dos Anais da Câmara, à disposição no site da Câmara dos Deputados).

quinta-feira, 28 de maio de 2009

"a dissolução da Câmara não importa a das Assembléias Provinciais"

O Capítulo III dos Estudos Práticos termina analisando aquele que é um problema concreto da política imperial e também um obstáculo real para qualquer reforma do sistema de governo no Brasil: a natureza federal da política instaurada desde o Ato Adicional de 1834. Uruguai registra e comenta as dificuldades criadas pelo fato de que a Câmara dos Deputados, que forma o governo central, e as Assembléias Provinciais, que não forma o governo provincial, têm trajetórias eleitorais distintas.

Uma Câmara pode ser dissolvida poucos meses depois de ser eleita, por decisão do Gabinete; dissolver também as Assembléias, eleitas pelos mesmos eleitores e pelos mesmos distritos, seria impraticável e, frequentemente, impossível sem a completa interrupção do processo legislativos nas províncias. Não restava a Uruguai senão a interpretação estrita da Constituição e do Ato Adicional: as assembléias provinciais devem continuar funcionando pelo curso de seu mandato de dois anos, mesmo que a Câmara tenha sido dissolvida e novamente eleita.

Um regime parlamentar no Brasil cria imediatamente um descompasso entre a política nacional e estadual, cujas consequências são imprevisíveis e potencialmente caóticas. Permitir que os estados se organizem com regimes parlamentaristas apenas agravaria a situação: as maiorias estaduais (assim como as maiorias nas atuais Assembléias Legislativas) imediatamente se transformariam em férreas oligarquias.

Uruguai não se enganava quanto à realidade: "Por outro lado, as Assembléias provinciais tem se envolvido, estão a isso acostumadas, nisso somente enxergam atrativos, e será, ao menos por longo tempo, impossível demovê-las de envolverem-se em política especulativa, hostilizando e enredando a marcha dos Presidentes tirados do lado diverso daquele de que se formam suas maiorias. A maioria da Câmara dos Deputados hostiliza um ministério a ponto de tornar impossível a sua continuação. O Poder Moderador entende dever dissolvê-la e apelar para a Nação. Entretanto em 10, 12, 14 Assembléias Provinciais dominam as opiniões daquela maioria. Hostilizam, entravam (abundam entre nós os exemplos) a marcha dos Delegados do Poder Geral" (pág 84).

Notas-se, ao mesmo tempo, como a política estadual tinha plenas condições institucionais de sobreviver à revelia das maiorias nacionais, mesmo sob a Lei de Interpretação de 1840, mesmo com a nomeção dos Presidentes pelo Gabinete, e como são semelhantes aos lamentos dos primeiros Presidentes da República do recente período democrático: todos tendo que conviver com conspirações e "entraves" promovidos pelos governadores dos estados mais importantes. Foram necessários dez anos de ajuste fiscal, reforma política (encurtamento do mandato presidencial) e reforma administrativa para que os governadores de estado, hoje, se conformem com uma posição meramente administrativa.

Nos tempos de Uruguai, sem soluções constitucionais viáveis (ou seja, aceitáveis para deputados gerais já sensíveis aos movimentos da política da província onde foram eleitos), restava a esperança: "Demais creio que o Poder Geral as poderá conter, durante o resto do biênio, dentro dos limites de suas atribuições, por meio de Presidentes firmes, inteligentes, justos e prudentes." (pág 84). Não é bom sinal quando um homem pragmático e um político cético como Uruguai deposita suas esperanças em boas escolhas e qualidades pessoais.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

"se aproveite da ocasião para subverter a ordem pública?"

A bem da verdade, o problema criado pela verificação de poderes conduzida pela Assembléia Provincial, para reconhecer a eleição dos seus representantes, era praticamente insolúvel nas condições tecnológicas e institucionais da época. As eleições gerais e provinciais eram realizadas com os mesmos eleitores (eleições em dois estágios, significando que precisavam ser autenticados os eleitores e depois os próprios deputados) e nas mesmas circunscrições, mas a Assembléia Geral só iniciava a sua verificação de poderes em maio e a comunicação de sua decisão poderia levar meses até chegar a uma província do extremo norte ou extremo sul. Ou as Assembléias Provinciais começavam a funcionar a partir da verificação própria dos seus eleitos ou tinha de esperar pela confirmação da Assembléia Geral. Para complicar, as Assembléias Provinciais funcionavam por biênios fixos; a Assembléia Geral funcionava enquanto a maioria tivesse força. Um eleitor "eleito" para eleger um deputado à Assembléia Geral poderia eleger mais de duas Assembléias em sua província.

A confusão começou com as eleições de 1838, na Paraíba, onde a Assembléia Provincial aprovou eleitos vindos de distritos onde a eleição geral fora anulada pela Câmara. Simplesmente não houve decisão oficial sobre a dúvida, ficando em vigor o statu quo.

O statu quo, contudo, permitiria que as Assembléias Provinciais tivesse autonomia na composição de seus membros, à revelia da Câmara. Daí a pergunta de Uruguai no título da nota.

Em 1848, uma dúvida do Vice-presidente da Província de São Paulo, sobre a data de abertura da legislatura provincial, fez com que a questão chegasse ao Conselho de Estado, onde, curiosamente, não foi resolvida de forma cabal. Reafirmou-se o entendimento de que as assembléias só poderiam funcionar após o reconhecimento conduzido pela Câmara, mas houve o reconhecimento da necessidade prática de manter o statu quo. Foi requerida à Assembléia Geral, apenas, uma solução legislativa definitiva.

Uruguai, por sinal, manteve esse entendimento: entre a possibilidade de caos e um staquo quo arriscado, ficou com esse último. Como ele mesmo diz, trata-se de um estudo prático, não de uma análise teórica.

Nota, desconsolado, como uma decisão sobre a consulta do Presidente de São Paulo, em 1857, tratando da habilitação de eleitores substitutos em Mogi das Cruzes, voltava a impugnar eleitores não confirmados pela Câmara (Aviso 418, de 23 de novembro de 1857). Os eleitores, em geral, podem eleger sem verificação da Câmara, mas os substitutos, não...

terça-feira, 26 de maio de 2009

"Abusos e excessos"

O Título I dos Estudos Práticos começa com uma descrição geral do funcionamento das assembléias provinciais, criadas pelo Ato Adicional. Uruguai examina sua composição, o número de cadeiras em cada estado, a jurisdíção da assembléia provincial do Rio de Janeiro, onde está o município neutro, as inelegibilidades e os procedimentos eleitorais. É notável registrar que o Ato Adicional permitia a criação de legislativos bi-camerais nas províncias, possibilidade que não se verificou por considerações orçamentárias. Do mesmo modo, a distribuição das cadeiras por estados flutuava sem ligações muito claras com estatísticas populacionais e, fato importante, províncias poderiam ser agrupadas para o fim da divisão em distritos eleitorais. É curioso notar como Uruguai discute vários desses temas em função das disposições federais da Constituição dos Estados Unidos.

Uruguai, que critica a inelegibilidade de estrangeiros naturalizados e de não católicos, estende-se, contudo, por várias páginas examinando o como e o porquê da inelegibilidade dos funcionários públicos e dos prazos de desincompatibilização eleitoral. Nega, por exemplo, que juízes de direito possam pedir afastamento do cargo para concorrer à eleição.

O texto se torna mais interessante a partir do Capítulo III, que trata da proibição de edição de legislação eleitoral pelas províncias.Vai examinar os "abusos e excessos nesta parte por ellas cometidos" (Estudos Práticos, pág 39). Não chega a ser um espetáculo de horrores federalistas. Várias províncias são relacionadas (Maranhão, Ceará, Minas Gerais, São Paulo, Sergipe, Alagoas, Espírito Santo, Mato Grosso), mas são poucas irregularidades em cada caso e raramente vão além da fixação do dia das eleições para representantes nas Assembléias Provinciais. Há duas menções a intereferências em pleitos municipais.

O aspecto ressaltado por Uruguai é que não importan quão mínima seja a mudança: legislação eleitoral, incluindo inelegibilidades, não é de responsabilidade do governo provincial. Ainda assim, a verificação de poderes (a confirmação da eleição) é assunto do regimento interno das Assembléias (Estudos Práticos, pág 51).

É esse o ponto que vai merecer análise nas páginas que seguem: a verificação de poderes é assunto do Regimento Interno das Assembléias, mas as eleições são conduzidas com as mesmas regras e os mesmos eleitores válidos para as eleições gerais.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

"É terrível a falta de um general"

A fofocalha causada pelo envio de Honório Hermeto ao Prata, em missão especial, em outubro de 1851, começou com o próprio embaixador em Montevidéo, desembargador Rodrigo Souza da Silva Pontes, cujos diários de outros tempos, hoje guardados no Itamaraty, reservavam os termos El Rei Honório e Sua Majestade para o ex-ministro da Justiça. (Nesses diários, Paulino também era chamado de ministro da Graça, pela generosa distribuição de condecorações aos amigos...).

A fofocalha piorou porque os inimigos de Silva Pontes no Rio de Janeiro aumentavam os rumores de que a indicação de Hermeto era coisa de Caxias, que só aceitava ir para o sul quando estivesse tudo resolvido. Ou seja, o envio de Hermeto a Montevidéu era uma crítica direta ao trabalho de Silva Pontes. Seja como for, Paulino, gostaria de nomear logo um chefe militar para a missão e, assim, "acalmar" os uruguaios e provocar os argentinos. Teve de se conformar com Honório e deixar Caxias para outro momento. Daí sua frase no título da nota.

É óbvio, olhando o caso em retrospecto, que Caxias só fazia o seu jogo e não ia se pôr em uma situação difícil apenas porque Paulino queria. (Como se sabe, o Brasil pagará um preço por isso mais tarde, mas é outra história).

A missão Hermeto ao Prata, portanto, é puro Paulino, que já contava com a absoluta confiança do Imperador, como se vê pelas notas confidenciais trocadas de 21 para 22 de outubro. O Imperador, por sinal, morria de medo de ver o Brasil chamado publicamente de pérfido nas negociações do Prata, mas concordava com Paulino: a coisa ia mal e devagar por causa do Exército. Leia-se, de Caxias.

Paulino, contudo, não ia desperdiçar um ativo e deixar Silva Pontes fora da jogada. Gastou muitas cartas suavizando o golpe na vaidade do embaixador e explicando a necessidade de ter alguém como Hermeto operando na região, sem as idas e vindas das mensagens por navio. Para enquadrar logo Silva Pontes, uma carta de Paulino descrevia toda a operação com sua tradicional franqueza:

"É preciso aproveitar a ocasião, apertar Rosas, dar com ele em terra, e obter o complemento dos Tratados de 12 do corrente, ligando ao nosso sistema e política aqueles governos" (Carta de 21 de outubro de 1851).

domingo, 24 de maio de 2009

Exercício de Política Externa


Muito se fala sobre a identidade latino-americana e a baixa ocorrência de conflitos bélicos na região. No século XX, de fato, algumas custosas guerras envolveram nações do continente, mas as duas grandes potências, Brasil e Argentina, entraram pela última vez em conflito aberto na campanha de 1852. Desde então, a aproximação diplomática tem sido exemplar, desarticulando qualquer possibilidade de formação de um equilíbrio de poder de natureza westfaliano. A Argentina não busca aliados ao norte do Brasil; Uruguai e Paraguai nunca tiveram a chance de exercer (ou se beneficiar) da posição de estados tampão.

Trata-se de um inegável sucesso, mas configurações de políticas externa com essa natureza não podem ser atribuídas ao acaso. São o resultado de processos bem conduzidos de dissuasão, de definição de interesses nacionais e de demonstrações de força. A fixação pacífica das fronteiras do Brasil, o mito Rio Branco, não é a origem desse processo - é o seu final.

Tal sucesso foi produzido principalmente pelo governo do Brasil em duas dimensões importantes:

1) A aceitação da derrota na Guerra da Província Cisplatina marcou o abandono dos planos lusitanos de expansão sobre território hispânico consolidado. Poupou o Brasil de abrigar uma população culturalmente distinta e deu segurança tácita à Argentina de que a margem do Rio da Prata não seria disputada. Em 1828 foi fixado um elemento crucial de uma ordem estável: um statu quo;

2) Foi evitada qualquer interferência estrutural, de caráter militar, das potências européias em uma época quando os Estados Unidos não teriam condições de impor a Doutrina Monroe pela força das armas. Ao contrário de outros continentes submetidos a condições coloniais, a América Latina não admitiu o estacionamento de tropas inglesas ou francesas. As potências européias continuaram limitadas às Guianas, que pertenciam por razões até de tecnologia naval, à órbita do Caribe.

Não se pode considerar, contudo, que o estabelecimento de um regime estável de relações internacionais beneficia todos os atores da mesma maneira. O Brasil desistiu da Província Cisplatina, mas jamais desistiu do Rio Grande do Sul, sua plataforma para intervenção nas questões do Prata. A política de abertura dos rios da bacia do Prata não era a mesma adotada na bacia do rio Amazonas. O Brasil afastou França e Inglaterra da América do Sul, alinhando-se tacitamente aos Estados Unidos, que entenderam corretamente a mensagem.

A verdade é que a paz foi construída pelo Brasil na América do Sul dentro dos seus mais imediatos interesses nacionais e, por um algum período, pela força das armas e pelas suas vantagens geopolíticas. É comum alimentar ilusões fraternais sobre esses fatos, mas nossos vizinhos não têm essas ilusões. Esse livro aí, na ilustração, mostra como ainda nos anos 1960, a queda de Rosas podia ter sua rósea versão brasileira contestada por revisionistas argentinos. Nada mais natural que fossem respondidos pelo bisneto do Visconde de Uruguai.

sábado, 23 de maio de 2009

O anti-Uruguai

Os Estudos Práticos passam de sua introdução a um singular Título Preliminar - Como deve ser entendido o Ato Adicional. Nesse longo texto, quase trinta páginas de uma argumentação que invoca O Federalista, os comentários à Constituição dos Estados Unidos e as máximas do Digesto, temos um notável anti-Uruguai. As páginas buscam firmar o conceito jurídico da interpretação (ainda uma resposta aos que o acusavam de ter reformado a Constituição sem obedecer às exigências regimentais de uma emenda) e aplicar rigorosamente o conceito norte-americano de "poderes implícitos" às atribuições provinciais fixadas no Ato Adicional.

O que temos nessas páginas é um surpreendente Uruguai, afirmando com todas as letras que as Assembléias Provinciais devem ter toda a autonomia legal e executiva para exercer aquelas funções que lhes são exclusivas. Uruguai apresenta uma notável leitura federalista da Constituição imperial e do seu Ato Adicional: as atribuições do Governo Geral são enumeradas e devem ter todos os seus poderes implícitos; as atribuições provinciais são as demais e elas também são autônomas no exercício dessas atribuições.

Escrevendo em 1864, depois da estabilização do regime e da conciliação, Uruguai se apresenta como o inverso de sua imagem histórica:

"O fim do ato adicional (fim santo e justíssimo) foi depositar nas Províncias suficiente força, suficientes meios, bastante autoridade para poderem por si aviar, sem as longas morosidades de um só centro, certo negócios provinciais e a respeito deles, uma vez que se contivessem nas raias traçadas pela Constituição, torná-las independente até da Assembléia Geral.

Como admitir uma inteligência que tornaria a trazer para o centro aquilo que foi descentralizado e a por debaixo da dependência da Assembléia e Governo gerais, para complemento, negócios provinciais que deles destacara o ato adicional?

Que acréscimo de tarefa não viria daí ao governo e à Assembléia Geral, que mal pode às vezes aviar a fala do Trono, as discussões de desabafo pessoal e as leis anuais!

Teria a Assembléia Geral de completar, com propostas ou sem elas, a legislação de vinte províncias sobre instrução pública, criação de empregos provinciais, sobre arrecadação de impostos, sobre obras públicas, corpos policiais, etc. Voltaríamos à centralização anterior ao ato adicional" (Estudos Práticos, pág 27).

O autor dessas linhas, intérprete da Constituição e do Ato Adicional com os instrumentos oferecidos por O Federalista e pelos comentaristas norte-americanos, não pode ser classificado com um maquiavélico e autoritário centralizador. Nesse momento, a página do caos já tinha sido virada e Uruguai está examinando o problema atual do regime: a tentação da centralização política, a tentação de tudo fiscalizar e tudo controlar. É o anti-Uruguai da lenda política.

É evidente que, publicando os Estudos em 1865, Uruguai é só um conselheiro do Estado, senador, adoentado, falando sobre administração provincial em tempos de guerra. Não será ouvido e talvez saiba disso. Está, contudo, defendendo ainda sua herança política e o espírito de sua ação ministerial: separar política da administração, impedir que o caos administrativo seja instrumento de rebelião política. Definir qual o papel do Governo Geral e qual o papel da Província. Ao fazê-lo com o instrumento intelectual mais sofisticado, à época, para tratar do assunto - O Federalista - não pode ser descrito como um centralizador autoritário, nos moldes do fascismo brasileiro dos anos 1930.

Ainda em 1987-1988, quando os constituintes votaram em Brasília, sua voz poderia ser ouvida: o país pagaria menos pela confusão entre as atribuições da União e dos Estados. Hoje, em maio de 2009, o estado de Santa Catarina tenta fazer valer um Código Florestal adaptado às suas realidades. O que diria a boa inteligência do Ato Adicional?

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Paulino analisa a Suprema Corte dos Estados Unidos

Em uma nota anterior, comentei a ausência, em um trecho dos Estudos Práticos que tratava da necessidade de revisão imediata da legislação provincial, de qualquer menção à Suprema Corte dos Estados Unidos. Houve até citação a Borges. Paulino José respondeu, contudo, à objeção quase vinte anos antes, em discurso na sessão de 30 de agosto de 1838, no curso da tramitação da Lei de Interpretação. Curiosamente, usa ponderações semelhantes às aqui antecipadas:

"...O corretivo adotado pela constituição dos Estados Unidos é muito mais eficaz. Organizaram um poder judiciário forte e independente e deram-lhe influência política. Armaram-no do poder, em colisão de uma lei geral e outra de um estado, de ferir de nulidade a segunda. Esta, portanto, não pode produzir mal, é este atalhado na ocasião em que o vai produzir, isto é, na ocasião em que vai executar-se. Entre nós não sucede isto; as leis provinciais, ainda que exorbitantes, são logo executadas; os empregados por ela criados começam logo a servir, por essa criação adquirem clientela, têm família e amigos; e quando essa lei se revoga, já existem diversos centros de resistência que a mesma lei tem criado. Não quero dizer com isto que se deva adotar entre nós o mesmo corretivo que se adotou nos Estados Unidos, não sei mesmo se o nosso poder judiciário seria muito próprio para exercê-lo..." (Anais, Sessão de 30 de agosto de 1838, pág 427).

quinta-feira, 21 de maio de 2009

"O nariz de nosso Metternich"


Paulino se tornou uma figura de grande exposição, graças à sua gestão dos problemas no Prata. No Correio Mercantil de 6 de junho de 1852, o Poeta Vassourense comentava o novo ministério:

Três membros já lá se vão
Podem todos passear!
Reservando o narigão,
Tudo o mais que vá bugiar!
Pois temos a salvação
Neste begue singular!
Querem a pátria feliz?
Não lhe bulam co'o nariz.

A poesia foi respondida por um soneto satírico, dessa vez do Poeta Jurujubense, publicado no Correio Mercantil, de 20 de junho do mesmo ano:

Exposto em Londres, como coisa rara,
Vai ser, com pasmo da presente era,
Nariz que sai da narigal esfera,
Nariz que boa quarta tem de vara.

Para pintá-lo, dizem, se prepara
Grão pincel de cabelo de pantera,
Qu'assim pede o nariz maior que viera
À luz do mundo em brasileira cara.

Há muito a fama de tal penca gira,
Tudo assombrando do Brasil por fora
Há muito que o Bretão por vê-la suspira.

Nela há quem julgue que Minerva mora
Chama-lhe Urquiza o seu paládio, e em ira
Chama-lhe Rosas caixa de Pandora"

(José Antônio Soares de Souza. Honório Hermeto no Rio da Prata, pág 313). José Antônio, por sinal, considera que o Poeta Jurujubense bem pode ser o diplomata José Maria do Amaral. O Visconde de Sepetiba, em carta de dezembro de 1851, chamava o inimigo de jesuíta e comentava "o nariz de Paulino é um portento". A carta é citada na biografia de Aureliano, escrita por Hélio Viana. (Id, pág 312).

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Centralizações, descentralizações, etc

Raymond Aron escreveu certa vez ser grande o número de teorias sociais e políticas inofensivas. Não estão erradas, nem têm fundamentos falsos. São inofensivas porque não elucidam os aspectos realmente problemáticos da realidade. Aron pensava nas versões menos ambiciosas do materalismo histórico, quando afirmam que interesses materiais determinam o curso da História. É como dizer que todos temos de nos alimentar. É correto, mas pouco útil de um ponto de um ponto vista tático, objetivo.

As enciclopédias geralmente se desembaraçam da biografia de Paulino José afirmando que se trata de teórico da centralização político administrativa no Brasil, um antecessor de Francisco Campos ou do general Golbery do Couto e Silva. Um autoritário, o adversário de Tavares Bastos. Trata-se de uma coleção de elementos correta, em vários sentidos, aceitável em termos acadêmicos e, contudo, pouco precisa.

O habitual dilema centralização-descentralização, na política brasileira, tem o mesmo tipo de presença que a cor verde em nossa bandeira: sempre estará lá, no Império ou na República. Centralizadores podem se transformar em veículos de medidas descentralizadoras e vice-versa. Os criadores da legislação estadual sobre o Imposto sobre o Consumo foram Roberto Campos e Dilfim Netto, ministros do regime militar. Os bancos estaduais têm a mesma origem. A pergunta é outra: porque há bandeiras estaduais sem o verde?

A biografia de Paulino José Soares de Souza passa a valer quando examinamos problemas mais básicos da política, questões mais fundamentais do conflito entre elites no Brasil e o confronto com o imponderável da ação humana. Se era fatal a vitória em Monte Caseros, se era também fatal a guerra com o Paraguai, se era inevitável a Federação, por que estamos conversando ainda?

Quando Paulino José sobe à tribuna, a atenção é devida à sua maneira particular de identificar o caos da desordem e estabelecer a equação da obediência. Seu interlocutor é o Leviatã e o, sobretudo, o Behemoth. Não está ali para antecipar os projetos de Brasil Grande do governo Erneste Geisel.

Quando Paulino José carrega a pasta com os decretos do ministério das Relações Exteriores, a pergunta é o que se pode fazer com os intrumentos do Estado Nacional? Como é feita, afinal, a Guerra e a Paz entre as Nações?

Quando Paulino José diz não ao Imperador porque quer dizer não à conciliação, a pergunta é qual o valor e o sentido da política da convicção? No Brasil e algures.

Muitos brasileiros acham que quando fraudamos as eleições em Saquarema e perseguimos adversários com a polícia estamos querendo nos eleger por Saquerema. Não é o nosso caso, nem o do Visconde do Uruguai, nem do autor dessas linhas.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Paulino José segundo Jorge Caldeira


"O assunto melindroso estava nas mãos do ministro dos Negócios Exteriores - o velho amigo maçom Paulino Soares de Souza, conhecido por seus métodos e modos pouco ortodoxos. Paulino, como poucos conservadores, misturava refinamento e violência. Nascera em Paris, onde seu pai, ainda estudante tinha se casado com a filha de um livreiro que terminou guilhotinado durante a Revolução Francesa. Passou boa parte da vida na Europa, estudando em Coimbra. Mas assim que voltou para seu engenho de açúcar em Saquarema, notabilizou-se pela violência dos métodos políticos que empregava nas eleições e pela defesa que fazia deles. Uma de suas frases preferidas era não se poupa um inimigo derrotado, pois ele pode se levantar amanhã. Essa mistura de boa formação com furor guerreiro casava-se bem com o projeto que tinha em mente, uma conjunção fina de esgrima diplomática e guerra. Os planos que alimentava eram tão perigosos que ele acabou desistindo de trabalhar na sede do ministério, que considerava pouco segura. Só em sua biblioteca ele se julgava a salvo dos espiões ingleses, franceses, argentinos e uruguaios. Se apenas uma parte de suas idéias chegasse fora de hora ao ouvido de um deles, explodiria um verdadeio barril de pólvora" (Jorge Caldeira, Mauá. Empresário do Império. São Paulo, Cia das Letras, 1995, pág 200.)

"Rápido lançar de olhos"

Uruguai termina sua introdução ao texto dos Estudos Práticos com um rápido lançar de olhos sobre a Constituição belga de 1831. "Merece ser estudada": evitou conflitos entre o governo central e as províncias, manteve a autonomia das municipalidades face às assebléias provinciais. A sanção das leis provinciais passou a depender do Rei e não do Poder Legislativo, por ser mais eficaz, rápida e porque importaria responsabilidade ministerial.

Essas breves notas recordam o conto de Borges, Averróis, que fala de um pensador incapaz de ver algo que seria óbvio, não fosse o quadro intelectual em que se encontra. Uruguai segue, ainda em 1865, obcecado com o controle político das entidades provinciais. Sabe que é lá onde se encontra o mal; a soberania parcial; o poder que não é poder, sem checks and balances. Está disposto mesmo a entregar a sanção das leis provinciais ao Imperador. Não pode e não quer ver a solução simples: o tribunal constitucional norte-americano. Talvez suspeitasse que o tribunal constitucional republicano fosse muito parecido com o Poder Moderador, peça central do mecanismo da Constituição de 1824. Talvez não acreditasse na independência do Poder Judiciário.

"Males gravíssimos. Necessidade de estudo profundo"

Esta seção da parte introdutória dos Estudos Práticos começa com uma informação divertida. Uruguai lembra que a lei de 3 de outubro de 1834, artigo 33, autorizou o governo central a financiar as províncias que não tivessem condições de pagar suas próprias despesas. Uma lei de 31 de outubro de 1835, declarou, em seu artigo 21, inválido o artigo 33 acima descrito. Conclusão: "o leitor verá, pelo decurso deste livro, os apuros em que se viram as Províncias quando começaram a viver sobre si. Era indispensável diminuir e economizar despezas" (pág xxxix). Apenas três províncias deixaram de ser providas: Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. A partir daí, o real problema passou a ser: como separar os impostos gerais dos provinciais?

Desnecessário dizer que as Províncias passaram por cima da lei para cobrar impostos de importação e exportação, inclusive sobre comércio interno. "Há 16 anos que não é revogada pelo Poder Legislativo Geral uma só lei provincial! Que escândalo! Isto não pode continuar assim!" (pág xli). E o cerne do problema era grave: caso o Presidente da Provincia sancionasse uma lei contrária à Constituição, aos direitos das demais províncias e aos tratados internacionais, "nenhum remédio pode dar a mal tão perniciosa o Governo Geral". O único remédio é esperar a revogação da lei provincial pela Assembléia Geral.

"Remediar o presente. É preciso que seja nomeada pelo Governo uma importante comissão de homens ilustrados e práticos, a qual assistam os Ministros de Estado, para examinar e estudar toda a legislação provincial que estiver ainda em vigor e indicar a revogação de toda a que for exorbitante" (pág xliv).

Quanto ao futuro, Uruguai pede o mais intrigante: uma reforma nas atribuições do Presidente de Província, que era justamente um agente do governo central. Quando o Presidente sancionasse uma lei considerada inconstitucional ou ilegal, o governo central, ouvido o Conselho de Estado, suspenderia os efeitos da sanção. Recomenda também uma revisão profunda do "federalismo fiscal" então vigente e do funcionamento do Conselho de Estado, cujas seções não podem dar parecer sobre matérias pertinentes a mais de um ministério. Para piorar: "As seções do Conselho de Estado ordinariamente ignoram qual a Resolução tomada pelo Governo sobre suas Consultas. Não lhes é comunicada e pela maior parte das vezes não é publicada" (pág xlvii).

"O Conselho de Estado não tem uma Secretaria, não tem um Presidente para o serviço ordinário, não tem um centro para o seu trabalho e harmonia de suas decisões (...) Previno o leitor de que há de cansar debalde seu espírito, se procurar descobrir em tudo um fio diretor, regras." (pág xlviii).

Uruguai não comenta, talvez o faça mais à frente, o mistério principal: por que um Presidente de Província, um agente político do governo central, geralmente um político de outra província, raramente com um longo mandato, sanciona leis inconstitucionais ou meramente ilegais aprovadas pelas Assembléias Provinciais?

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Antiga rua das Violas, hoje rua dos Afogados, São Luís

Centro histórico de São Luís, atual rua dos Afogados, antiga rua dasViolas, onde tinha residência o pai de Paulino Jose, o médico José Antônio Soares de Souza (1780-1838).

Estudos


Os Estudos Práticos sobre a Administração das Províncias, publicado em 1865 pela Tipografia Nacional, é uma obra, de certo modo, interrompida. O plano de estudo, exposto em sua introdução, é dividido em nada menos que três partes. Uruguai propõe-se analisar o Ato Adicional, a situação das Presidências das Províncias e as Municipalidades e Paróquias de Província. Pressentindo o tempo curto à sua disposição, vai logo avançando, contudo, algumas idéias sobre os dois últimos temas para uma melhor a compreensão do sentido político do Ato Adicional. Sua apreciação não é parcial, naturalmente. Começa logo atacando a paradoxal a decisão do Ato Adicional que extinguiu os Conselhos das Presidências das Províncias, sob a alegação do baixo desenvolvimento humano e intelectual das sociedades locais, mas criou as Assembléias Provinciais muito mais numerosas. Era o tempo do “grande liberalismo”... (pág v).

Faz uma comparação interessante entre a gestão dos negócios gerais e dos provinciais. Enquanto as decisões sobre negócios gerais sempre podem ser revistas pelo Poder Judiciário ou pelo Conselho de Estado, os assuntos administrativos provinciais estão sob o direto arbítrio do Presidente, cuja ação política e administrativa acontece na ausência de qualquer quadro legal definido. Outra de suas nêmesis surge no texto: a situação dos municípios sob o Ato Adicional. "Matou, como veremos, as liberdades municipais. Que liberalismo! Que progresso!” (pág x).

O que se entendia então por federação? Confesso ingenuamente que não encontro nesse tempo idéias fixas e claras sobre um sistema federativo para o Brasil” (pág xii). Sua descrição dos efeitos políticos e administrativos do experimento de monarquia federativa iniciado em 1832 e completado com o Ato de 1834 é simples e cortante: “Havia começado uma grande obra de demolição no grande edifício social” (pág xx).

Passa, então, a recapitular o processo de reversão do Ato Adicional. Em 10 de julho de 1837, a comissão especial da Câmara encarregada de estudar a situação das assembléias provinciais da Câmara apresentou o seu projeto de interpretação. Assinado por seu relator, o próprio Paulino José, por Honório Hermeto Carneiro Leão e Calmon Du Pin. Ele entra em discussão no dia 31 de junho de 1838, ocupando as sessões que se estendem de 25 de agosto até 10 de setembro, sendo finalmente aprovado em 17 de setembro de 1838. A redação volta a ser debatida a partir de 3 de junho de 1839, com grande reação da oposição liberal, sendo aprovada em 26 de junho, 56 a 30 votos.

O projeto da Lei de Interpretação é lido no Senado em 2 de julho de 1839, dando início a uma discussão que terminará apenas a 7 de maio de 1840. “Depois de um pequeno tiroteio, foi o projeto aprovado e remetido à sanção. É a Lei n. 105, de 12 de maio de 1840.” (pág xxiii).

Na opinião de Uruguai, a oposição liberal terminou aceitando a Lei de Interpretação porque já tramava a Maioridade e pensava que ficaria no poder. Não se importava com a centralização. Como lembra, contudo, Uruguai esse novo governo durou oito meses. “As Assembléias não podiam montar mais o seu antigo sistema. Não o montarão mais” (pág xxvii)

Os parágrafos seguintes têm algo de melancólico. Uruguai reproduz discursos velhos de vinte anos, principalmente de Bernardo Pereira de Vasconcellos, para demonstrar a gravidade do momento político vivido naqueles anos. A um primeiro olhar, parece justificação, partindo de um autor-político que não está mais no centro da cena. O perigo, para Uruguai, nunca morre. Lembra que ainda em 1861 uma nova Lei de Interpretação foi apresentada na Câmara. A luta continua.

domingo, 17 de maio de 2009

Escola de Direito de São Paulo


Em São Paulo, Paulino José Soares de Souza finalmente conclui o curso do Direito iniciado em Coimbra, Portugal.

O Visconde do Uruguai por ele mesmo

"Eu fui sempre muito amado por meus condiscípulos e contemporâneos porque fazia estudo em ser modesto. Bacharéis formados andam por aí aos montes e ninguém faz caso deles. Tratei não somente de ser bacharel formado, mas de saber, porque o verdeiro merecimento sempre sobressai (...) A nossa mocidade vai muito para o pendantismo e não há animal mais insuportável que um pedante, ao menos para mim. (...) É triste viver no meio de intriguinhas [da política local], partilhando os pequenos ódios e prevenções pessoais dos partidos de aldeia. Isso só pode servir para amesquinhar o espírito."

"Muito folgarei de que faças aí a mesma figura que fiz. E ainda mesmo que sejas muito bom estudante, não te desvaneças por isso e não te tenhas por sábio. O espírito da contradição e da inveja, que é muito geral entre os homens, faz com que se procure abater aqueles que a si mesmo exaltam. O hábito do estudo custa-se muito a adquirir e perde-se com facilidade. Uma vez perdido dificilmente se recupera. Convé, portanto, que estudes todos os dias regularmente, embora tenhas dado lição, de modo que no fim do ano estejas senhor de todo o sistema e do jogo e da ligação de todos os princípios. (...) Eu nunca tive tais relações (de famílias, de bailes e funções) e dei-me bem com isso. Dava-me familiarmente com alguns estudantes distintos e de uma sociedade amável, que ainda hoje são meus amigos".

Cartas ao filho, Paulino José, 1851-1853.

Honorários advocatícios em 1830

A Vida do Visconde tem a sensibilidade literária de revelar as anotações de Paulino José referentes aos primeiros rendimentos como advogado. Uma consulta, por exemplo, rendia 3 mil e duzentos réis; um embargo, 8 mil réis; um libelo, 4 mil réis. O pagamento, porém, podia vir em espécie. Suas anotações registram o recebimento de "4 capões e 5 galinhas por uma consulta", um"bote de rapé", uma bandeja grande de doce, 4 perdizes, 6 compoteiras de doces, 2 paus de guaraná, 12 caixas de goiabada. Por uma consulta sobre uma "causa do Juri, de que não quis levar nada", 12 garrafas de vinho do Porto de 12 anos. É certo que, por esses anos, não pedia mais dinheiro ao pai com a mesma frequência. (Id, pág 36).

Um advogado no Primeiro Império

Paulino retorna de Portugal, chegando a São Luís em 17 de janeiro de 1829. A revolução em Portugal não permitira, contudo, que ele terminasse o curso de Direito. Precisava novamente viajar, dessa vez para São Paulo. Deixa o Maranhão no dia 6 de maio, rumo ao sul do País. Seu caderno de notas registra uma longa viagem marítima: Jericicoara (2 de junho), Ceará (23 de junho), Pernambuco (28 de julho), Maceió (16 de agosto), Salvador (24 de agosto), Rio de Janeiro (8 de setembro), Santos (3 de novembro) e finalmente São Paulo (5 de novembro de 1829). De São Paulo, foi visitar seu tio, Bernardo Belisário, juiz em Campanha da Princesa, Minas Gerais. Volta a São Paulo, para matricular-se na Escola de Direito apenas em 3 de fevereio de 1830.

Em sua viagem, Paulino vinha acompanhado de um escravo, João. Ele faleceu no Rio de Janeiro.

O périplo não era apenas geográfico, revelando a cada passo um pouco da estratégia profissional do jovem Paulino. Quando em Pernambuco, por exemplo, visitou o diretor da Escola de Direito, Lourenço José Ribeiro, um antigo colega de Coimbra. Ribeiro lhe deu um carta, endereçada ao minstro do Império, José Clemente Pereira, pedindo uma posição de professor para Paulino. Clemente Pereira ofereceu uma vaga em São Paulo, mas Paulino preferiu continuar o seu curso. (Vida do Visconde do Uruguai, págs 27 e ss.). No Rio de Janeiro, certamente visitou os deputados do Maranhão na Corte, João Bráulio Muniz e Odorico Mendes, e aproveitou a estada para comprar quase 60 mil réis em livros: Benjamin Constant, Jeremy Benthan, Ramón Salas, Desttut de Tracy e manuais franceses sobre provas judiciais, assembléias legislativas e códigos legais. Segundo José Antônio Soares de Souza, o livro que realmente ocuparia Paulino seria, contudo, "O Federalista" (Id. pág 30).

Matriculado em São Paulo, Paulino e mais dois colegas pedem ao governo a instalação dos anos finais do curso, o quarto e o quinto, que ainda não funcionavam na Escola de Direito. No final de 1830, o ministro do Império determinava a instalação do quinto ano do curso. Paulino viveu todas as fases de um estudante de Direito naqueles anos: fundou clubes literários, participou de sociedades secretas, escreveu para jornais de estudantes.

Sim, Paulino certamente tinha simpatias republicanas e, mais tarde, nos anos 1840, a sociedade secreta que fundara foi acusada, por liberais, de liderar atos de violência contra portugueses. Mais uma das célebres "sociedades do punhal e do cacete" do fim do reinado de Pedro I. Paulino jamais comentou o assunto posteriormente e José Antônio, seu biógrafo e bisneto, declara não acreditar em tal hipótese. Também flertou com a carreira literária, publicando poemas no Amigo das Letras (n. 24, de 29 de setembro de 1829), mas rapidamente seguiu o conselho dos professsores, aplicando-se aos estudos.

Formou-se advogado no final de 1831 e seu título traz a data de 12 de março de 1832, assinado pelo diretor José Arouche de Toledo Rendon. (Vida do Visconde, pág 37).

sábado, 16 de maio de 2009

25 de agosto de 1838

Estamos na discussão da Lei de Interpretação do Ato Adicional de 1834. As metáforas políticas expostas nos termos "interpretação" e "ato adicional" eram necessárias para ocultar a realidade: duas profundas revisões constitucionais em pleno governo regencial, sem condições de contar, portanto, com a influência do Imperador menino, D. Pedro II. Um real governo parlamentar como jamais houve novamente no Brasil, nem em 1961-1962, onde a sombra do presidente da República pesava sobre a conjuntura.

O Ato Adicional dera aos liberais sua versão do sonho federalista - autonomia para as assembléias provinciais -, mas o gênio que saiu da garrafa era bem diferente do sonho: caos, desgoverno e rebeliões provinciais. Na defensiva, os liberais lutavam agora, com os meios à disposição da obstrução parlamentar, contra a Lei de Interpretação, uma forma elegante e brasileira de desdizer o que havia sido dito em 1834. Como sempre, os eternos saquaremas brasileiros usavam a promessa de ordem para adiantar todos os tipos de agenda política. Por isso, a necessidade de elegância. A interpretação leria muito mais do que a letra da Constituição de 1824. Paulino oferece sua versão para o caos legislativo em curso:

"E, firmadas nessa inteligência não somente essas assembléias provinciais legislaram sobre a polícia judiciária, alterando muitas disposições do código de processo, como também tomaram a iniciativa sobre objetos e posturas policiais, tomando outras relativas a um só município, extensivas a outras localidades. Esta opinião se acha consagrada em outro projeto de interpretação, apresentado nessa casa, pela comissão de assembléias provinciais na sessão de 1835.

Ora, quando um ou outro duvida da inteligencia de um artigo de lei, pode-se atribuir isso a um erro de inteligencia; mas quando as dúvidas se reproduzem e são adotadas por corporações como as assembléias provinciais, em muitas das quais existem ilustrações, quando inteligências diversas são apresentadas por comissões dessa Câmara, parece que alguma interpretação ao ponto duvidoso se torna necessária. Estas são as razões que teve a comissão para apresentar a interpretação constante do artigo 1 do projeto que se discute." (Anais, Sessão de 25 de agosto de 1838, pág 383).

Paulino registra como a mera confusão sobre o termo "polícia" poderia produzir "nada menos do que reconhecer-se nas assembléias provinciais a faculdade de revogar toda a quarta parte do código criminal e todas as disposições do código de processo que constituem a polícia judiciária entre nós". Ou seja, o sonho dourado de todas as elites provinciais e estaduais no Brasil: estabelecer um código penal local, redigido e interpretado ao sabor dos seus interesses. Paulino informa os deputados sobre as consequências da decisão a tomar: "A inteligência desta parte do ato adicional não importa menos do que a conservação de uma das garantias estabelecidas na Constituição do Império e no ato adicional" (Id., pág 384).

Nesse ponto do discurso emerge um tema clássico do pensamento político brasileiro: a idéia do município como a raiz da democracia e como e melhor proteção contra a tirania das elites provinciais e estaduais:

"Eu cuido que ninguém contestará a importância que têm as municipalidades no systema representativo. Estou convencido de que, sem instituições municipais, pode uma nação adotar um governo livre, mas que não pode ter o espírito da liberdade. Para mais se convencer desta opinião bastará refletir sobre a importância das municipalidades nos Estados Unidos. Considero a organização completa, regular e forte que aí têm uma das causas de sua prosperidade. Não se pode desconhecer o papel importante que fizeram as municipalidades na antiga Europa, quando essas instituições eram as únicas em que ainda existia alguma sombra de liberdade. Na antiga monarquia portuguesa, eram as câmaras a única instituição em que se encontrava alguma cousa do elemento democrático e em que tinha lugar a eleição popular (...) Ora, se se tirar das municipalidades a iniciativa sobre a polícia municipal, o que lhes resta? O ato adicional deu às assembléias provinciais a faculdade de fixas as depesas das municipalidades; e esta disposição tem sido entendida de tal forma que muitas assembléias provinciais têm, nas leis dos orçamentos municipais, posto as municipalidades em tal tutela que não podem dispor de 100 réis, sem que essa despesa seja fixada pelas respectivas assembléias." (Id. pág 384).

Tal é o paradoxo político do ato adicional, nos termos de Paulino: "A interpretação contrária à que propõe a comissão ataca, portanto, e reduz a nada uma garantia constitucional que o ato adicional consagrou e que, portanto, não podia querer destruir". Prossegue na dinâmica criada pelo Ato Adicional:

"Note-se bem que as municipalidades não se podem defender contra as usurpações das assembléias provinciais porque para isso não lhes deu o ato adicional meio algum. Não as podem também defender os presidentes das províncias porque não têm sanção sobre as leis provinciais relativas a negócios dos municípios. Nas as poderá também defender a asssembléia geral, se a interpretação dada pela comissão não for adotada, porque nesse caso essas usurpações não serão contrárias ao ato adicional". (Id. pág 385).

Tornou-se corrente na historiografia brasileira identificar a posição de Paulino e seus amigos com a mera defesa dos interesses econômicos, da escravidão, do autoritarismo. Qual seria, contudo, a posição dos seus adversários? Onde levaria a destruição da autonomia municipal, a liberdade legislativa das assembléias provinciais, a fronda dos farrapos? Levaria à liberdade individual ou ao caudilhismo? Ao fim da escravidão ou ao isolamento econômico? É a mesma pergunta que se faz hoje, à sombra das indenizações pagas aos nossos revolucionários de esquerda: queriam derrubar a ditadura para promover eleições? Para liberar as empresas e os trabalhadores do peso do estatismo?

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Em Coimbra


A Vida do Visconde do Uruguai registra os círculos de amizade formados ainda nos estudos jurídicos em Portugal. Em Coimbra tiveram início, por exemplo, as relações com Honório Hermeto Carneiro Leão. Outra amizade importante é com o português Lôbo de Moura, futuro diplomata de longa carreira, feito Visconde pelo rei em 1859. (op. cit., pág 21). Ainda em Portugal, frequentava o salão político-literário, em Lisboa, mantido por Luís Martins Bastos, curiosamente um ex-deputado às Cortes de Lisboa, eleito pelo Rio de Janeiro. As cartas pessoais a seu pai e sua mãe nesse período revelam a rotina pesada dos anos de estudos e da república em que vivia, na rua do Borralho, hoje rua S. Salvador, n. 108. Parte não desprezível dessas cartas era dedicada a pedidos de dinheiro, gasto principalmente em longas listas de livros, que reportava a seu pai. José Antônio protestava, vez por outra, mas sempre reconhecia os méritos de Paulino José, em termos de grande carinho pessoal. Depois da revolução no Porto, em favor de D. Maria, Paulino José, com outros brasileiros, foi "preso para averiguações". Libertado em 18 de julho de 1828, seguiu para Lisboa, de onde viajou de volta ao Brasil em 18 de dezembro.
Foto: repúblicas de estudantes em Coimbra, próximas à rua do Borralho.

Biografia fundamental


O Visconde do Uruguai não precisa de uma biografia histórica, no sentido estrito do termo. Ele já dispõe de uma, brilhante por sinal. José Antônio Soares de Souza, seu descendente, eminente historiador, dispondo de todo seu arquivo pessoal, publicou, em 1944, a detalhada, clássica e elegante A Vida do Visconde do Uruguai, um volume da Brasiliana (243), da Cia Editora Nacional. Poucos políticos do Império contam com uma biografia tão bem feita e moderna, do ponto de vista historiográfico. Uma jóia literária e uma mina de informações.

A nossa guerra da Secessão

É o que resta da Fortaleza de Jesus, Maria e José do Rio Pardo, na margem esquerda do rio Jacuí, na cidade de Rio Pardo, Rio Grande do Sul. Essa foi uma das posições legalistas tomadas pelos farrapos no combate de Rio Pardo, em abril de 1838. A Tranqueira Invicta fora afinal vencida, para irritação do deputado Paulino José, que passou a recomendar mais ainda conciliação, mas com força armada.

Eleições liberais



Charge de Angelo Agostini sobre a célebre eleição de 1840, a eleição do "cacete". Falando em charges, a estréia de Manual de Araújo Porto Alegre na caricatura política foi justamente uma litografia de Justiniano José da Rocha, então diretor do Correio Oficial, recebendo um saco de dinheiro do governo. Teria sido vendida de forma avulsa no Rio de Janeiro em 14 de dezembro de 1837.

6 de julho de 1838: posição algum tanto dificultosa

A difícil situação militar no sul do Brasil levou o governo a adotar um recurso extremo, ainda que familiar no século XIX: a contratação de tropas estrangeiras. Nos termos originais de uma emenda de Honório Hermeto, poderiam ser pagos com a concessão de terras devolutas. Os liberais aproveitavam a demonstração de fraqueza para atacar a medida, mas, como lembra Paulino, já haviam adotado expediente semelhante no passado. Tendo prometido apresentar apenas "algumas reflexões", Paulino nota que Montezuma, ao criticar a emenda, encontrava-se em uma "posição algum tando dificultosa".

Os argumentos da oposição eram fracos. A Constituição proibiria a "passagem de tropa estrangeira" sem autorização prévia do Legislativo, mas se tratava de contratar militares de outras nacionalidades e não de corpos militares de outros países. Haveria necessidade de fixação prévia das forças ordinárias e extraodinárias, mas aqui Paulino recorre a uma habitual redução ao absurdo, sua tática preferida para demonstrar a inexperiência dos liberais:

"Recorrendo a outro artigo, disse que votaria contra essas medidas enquanto o governo não cumprisse a sua obrigação, dandos as informações necessárias para a fixação das forças ordinárias e extraordinárias. Entendo, portanto, que em todos os casos se devem fixar forças ordinárias e extraordinárias. Já se tem falado sobre isso; limitar-me-ei, portanto, a apresentar um exemplo. Suponhamos que o império existe com a paz mais profunda com todas as nações e que não há razão para desconfiar de perturbações internas. Tendo de fixar força ordinária e extraordinária, esta deverá ser fixada na proporção das forças da nação com que possamos ter rompimento e conforme a rebelião que possa aparecer. Segundo for mais forte a nação com que tivermos de combater, segundo for mais vigorosa a rebelião que houver de aparecer, maior força extraordinária teremos de fixar. Será necessário, pois, imaginar primeiro qual a nação com que poderemos ter guerra e qual a província em que poderá aparecer a rebelião e com que que forças. Deveremos, pois, sempre supor rompimentos imaginários e rebeliões imaginárias..." (Anais, Sessão de 6 de julho de 1838, pág 55).

Ou seja, não havia tal caso de detalhamento das forças ordinárias e extraordinárias em tempos excepcionais. Essa nunca havia sido a interpretação do Poder Legislativo.

Feito o ponto, vem a familiar ironia:

"Alguns Srs deputados têm declarado que não duvidam dar ao governo as forças de que carece, contando que o governo dê as informações pedidas e que os convença da necessidade dessa força. Tenho pouca prática de negócios parlamentares; mas, desde que tenho assento nessa casa, tenho observado que a oposição sempre tem pedido a convenção e nunca se dá por convencida (Apoiados) Há, na realidade, no coração humano uma disposição particular em nunca se dar por convencido daquilo que não agrada (Apoiados, risadas)" (idem, pág 56).

Prosseguindo, Paulino lembra que a emenda do deputado Álvaro Machado nem pode ser analisada de forma isolada. Ela representa mais um ponto na escalada de forças militares já aprovadas, necessárias após a derrota em Rio Pardo.

O marechal Elzeário de Miranda e Brito (1786-1858), presidente da Província do Rio Grande, imaginara romper o cerco farroupilha de Porto Alegre (um cerco curioso, uma vez que os sitiados dispunham de forças bem superiores), isolando os vários grupos por uma operação de cunha. Momentaneamente bem sucedido, deixou o general Mena Barreto com as tropas em Rio Pardo, onde foram atacadas e derrotadas pelo general farrapo Antônio Neto em 30 de abril de 1838. Mena Barreto foi submetido a Conselho de Guerra e Elzeário precisava de reforços para repetir a operação em 1839.

Paulino aproveita a ocasião, contudo, para atacar outro Paulino, Antônio Paulino Limpo de Abreu, o eminente e liberal Visconde de Abaeté, responsável pelo envio de presidentes de província ao Rio Grande, no início da rebelião, sem o devido aparato militar. Alfineta Limpo de Abreu, mas declara não prosseguir para não "mover questões odiosas". Insiste sobre a política necessária na região:

"Deve seguir-se a política da conciliação, mas conciliação ajudada de força (apoiados)."

Para isso, era necessária a contratação de estrangeiros, uma vez que o recrutamente nacional não era suficiente.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Paulino, Hermeto e Rodrigues Torrres

A carreira política de Paulino José Soares de Souza é exemplar em sua direta relação com a nascente patronagem imperial. Ele entrou no jogo dessa maneira, jamais tentará mudar as suas regras. O regente Costa Carvalho, amigo de outros tempos, e seu ministro Feijó o fazem, em 1832, Juiz de Direito em São Paulo.

A ascensão de Honório Hermeto ao ministério permite o passo seguinte: a vinda para Corte em novembro do mesmo ano, também como Juiz. Logo em seguida, o casamento com Ana Álvares de Azevedo, cunhada de Rodrigues Tôrres, lhe abre as portas da política fluminense.

Em 1835, é eleito deputado na Assembléia Provincial do Rio de Janeiro. No ano seguinte, após o pedido de licença de Rodrigues Torres, assume o cargo de presidente da Província do Rio de Janeiro em 30 de abril, função que exerceria até o golpe da Maioridade, no início de agosto de 1840.

Desde 1837, por sinal, Paulino José também é deputado na Assembléia Geral. Pouco antes dos seus trinta anos, Paulino completaria, assim, sua transição pessoal de magistrado a homem de Estado, dando prosseguimento à obra administrativa de Rodrigues Torres no Rio de Janeiro.

É o responsável pela criação da estrutura de arrecadação de impostos da província, pela construção das primeiras escolas, pela elaboração do primeiro orçamento, dos primeiros planos de obras públicas e do primeiro recenseamento, completado em 1840. Na escala menor da vida provincial, na experiência prática do estado rudimentar da administração pública no Brasil, Paulino certamente abandonou qualquer fascinação residual por idéias federalistas. Sua educação européia deixava pouco espaço para dúvidas: o país não existe ainda, precisa ser feito a partir da base e com a ajuda de um sistema político atormentado pelas revoluções da longa independência brasileira.

Em 1834, morria D. Pedro I em Portugal, encerrado qualquer veleidade de restauração ou de união com Portugal. Em 1838, após um acidente com seu cavalo, morre o pai de Paulino José em São Luís do Maranhão. Sua mãe retornara à França pouco tempo antes, sua irmã falecera logo depois de casar. Em termos pessoais e políticos, uma época terminava. Agora, para Paulino e para o Brasil, era cada um por si.

Tempos de menino


Centro histórico de São Luís do Maranhão, onde Paulino José viveu entre 1818 e 1823. Tempos difíceis e turbulentos da Independência do Brasil nos estados do Nordeste.

Um intelectual atlântico

A vida de Paulino José Soares de Souza - a biológica, a intelectual e a política - começa sob o signo da turbulência em escala global iniciada pela Revolução Francesa e continuada em seus ecos atlânticos. As conexões entre Portugal, França e Brasil são o ambiente original de Paulino, que poderia sentir-se à vontade tanto em vilarejos paulistas como em salões de Paris, falando em português ou em francês.

Seu pai, José Antônio Soares de Souza, nasceu na então obscura Paracatu do ano de 1780, que abandona para estudar em Lisboa, que também abandona para chegar a Paris e estudar medicina. As conexões continuam. Casa-se com Antoinette Gabrielle Gibert em 1806, sendo ela filha de um livreiro executado pela Revolução. É em Paris que nasce o futuro Visconde, em 4 de outubro de 1807, com o nome de Paulin Joseph.

Em 1809, José Antônio forma-se em medicina e torna-se médico do exército de Napoleão Bonaparte. Na Paris das guerras napoleônicas cresce o menino Paulino José e a vaga que levou sua família à Europa refluirá no mesmo ritmo. José Antônio deixa a França em 1814 e retorna a Lisboa. Depois, em 1818, volta ao Brasil, mas não para Minas Gerais. Exercerá a medicina em São Luís do Maranhão, de onde assistirá a Independência e as violentas revoltas provinciais.

O novelo, então, desenrola-se novamente na vida de Paulino. Em 1823, com quinze anos de idade, ele segue para estudar Direito em Coimbra e vai levando uma vida relativamente tranqüila de estudante. Em 1828, contudo, novamente é levado de roldão pelas turbulências políticas, sendo preso após a revolução do Porto, provavelmente por ser brasileiro.

Certamente assustado, deixa Lisboa em dezembro de 1828, mas mal chega ao Maranhão e segue para São Paulo, completar o curso de Direito. Forma-se finalmente em 27 de outubro de 1831, em plena efervescência da abdicação de Pedro I.

Nesse breve roteiro, tudo antecipa o Visconde do Uruguai. O poder exercido de forma resoluta. O significado exato e humano da violência política. A escala internacional em que deve pensar o estadista, nascido em Paris, criado no Maranhão, estudante em Coimbra, advogado em São Paulo. Audácia, sempre audácia.
(Imagem: Igreja de Saint Etienne du Mont, onde foi batizado Paulino José, em Paris. Autor: Frederick Nash, início do século XIX. Cortesia da Biblioteca Nacional da França.).

segunda-feira, 11 de maio de 2009

"Aqui tens"

Paulino José, como ministro da Justiça, tinha uma relação particular com a imprensa, que se tornaria pública mais tarde, na voz do deputado Justiniano José da Rocha, um pena a serviço do Partido Conservador. Seu célebre discurso contém a frase eterna, viva ainda na imprensa brasileira: "Eu era jornalista ministerial. Hoje, estou deputado da oposição". (21 de maio de 1855).

O melhor trecho, contudo, é citado por Magalhães Jr., expondo o episódio. É possível com facilidade imaginar Paulino na cena:

"Nessa mesma ordem de idéias, depois de receber alguns apartes com palavras de simpatia, acrescenta que nunca pensara estar se rebaixando quando, depois de quatorze horas de trabalho, Paulino José Soares de Souza lhe estendia o clássico papelucho dobrado, dizendo: - "Rocha, aqui tens"." (Raimundo Magalhães Jr. Três Panfletários do Segundo Reinado. Brasiliana, volume 286. São Paulo, Cia Editora Nacional, pág 153)

"O que não vier hoje, virá amanhã"

A 18 de julho de 1852 encerrava Paulino a última página da operação contra o ditador argentino, Juan Manuel Rosas, escrevendo a Paranhos, futuro Visconde do Rio Branco, em seu estilo inconfundível:

"O Sr. Honório foi feito Visconde, o Sr. Limpo de Abreu, Grã Cruz, o sr. Rodrigues Pontes dignitário da Rosa e V, Exa. comendador da mesma ordem. Não me satisfez este último despacho, tendo-me lembrado de outra coisa, mas V. Exa está no caminho das honras e o que não vier hoje, virá amanhã". José Antônio Soares de Souza, Honório Hermeto no Rio da Prata (Missão Especial de 1851/852). Brasiliana, volume 297, pág 269.

Tecnicamente, a missão de Honório - forçar os blancos a reconhecerem os tratados de 12 de outubro - foi cumprida com alguns parágrafos de uma carta do Barão de Caxias a seu colega general, Justo José Urquiza, presidente da Confederação Argentina. Como quem não quer nada, Caxias informou a Urquiza que, infelizmente, "passaria mais um inverno nessas campinas".

O lamento pessol de Caxias foi imediatamente compreendido por Urquiza: as tropas brasileiras continuariam no Uruguai e fariam valer os tratados pela força das armas, se fosse o caso. Urquiza, se quisesse mesmo apoiar os blancos, iria arriscar uma guerra com o Império, com o general Marques de Souza, os nove mil soldados sob Caxias e os atiradores prussianos do exército brasileiro.

Urquiza abandou os blancos que foram forçados gradativamente a recuar e aceitar os tratados, em piores condições. E ainda a aceitar a intermediação de Andrés Lamas, embaixador do Uruguai na Corte, mas amigo de fé e irmão camarada de Paulino.

Boa parte do gosto do livro de Soares de Souza é ver Paulino em ação, certeiro, mortal, com foco no que é relevante, sem ilusões sobre os homens, o nosso Talleyrand. Frases curtas, divertidas, mordazes, como seu comentário sobre a queda de Rosas e a necessidade de fazer valer os tratados de 12 de outubro:

"O primeiro ato terminou de forma favorável, esperemos que o segundo também."

Nas notas de pé de página, José Antônio registra as piadas e sonetos dedicados ao nariz do ministro Paulino, publicados na imprensa do Rio de Janeiro.

21 de setembro de 1839: estilo pessoal e orçamento municipal

Deputado na Câmara, Paulino José Soares de Souza defende a retirada de uma emenda de sua autoria, revogando uma exigência implícita imposta à Câmara de Vereadores do Município da Corte - o envio de seu orçamento. Naturalmente, aproveita a ocasião para soltar farpas sobre Montezuma, que debochara do ofício da Câmara, e denunciar a politicagem que tais exigências geravam.

O tema é conhecido, inclusive no Brasil federal: centralizadores não gostam de assembléias provinciais, mas defendem a autonomia municipal. Não é preciso explicar as razões.

"... A exigência dos orçamentos municipais, principalmente pela maneira por que se tem posto em prática, no meu fraco entender, destrói, aniquila o espírito municipal. A que ficam reduzidas as municipalidades se elas não têm o direito de dispor ainda de uma insignificante quantia sem dependência de aprovação de corporações compostas de pessoas quase todas estranhas ao município? Quase todas ignorantes das minuciosas circunstâncias das localidades... " (Anais, Sessão de 21 de setembro de 1839, pág 263).

Ele reconhece que o dispositivo visava evitar malversações, mas nota com brilho uma consequência prática que qualquer cientista político brasileiro saberá familiar:

"... Uma província tem 23 ou 24 municípios e dá 36 deputados provinciais. Quase sempre, atento o nosso sistema de eleições, há 3 ou 4 municípios, e às vezes mais, que não tem deputado algum que neles resida ou deles tenha exato conhecimento. Vêm os orçamentos, umas vezes passam tais e quais os fazem as câmaras, porque, além das informações, não há outras bases para os discutir e então torna-se inútil e ilusório o corretivo que teve em vista a lei, ou são ventilados sem conhecimento de causa e então o tal corretivo é o pior mal possível e as câmaras se vêem nos maiores embaraços para executarem cousas inexeqúíveis ou despropositadas.

Suponhamos, porém, que o município tem na assembléia provincial um ou dois deputados do seu seio. Sendo os únicos que na mesma assembléia têm algum conhecimento das localidades, louvão-se os outros neles. Se são vereadores ou amigos dos vereadores, passa tudo quanto a câmara quer: se pelo contrário, mutilam-se muitas vezes os orçamentos, desgostam-se os vereadores, chamam-se os suplentes, etc. Ora, e é esta medida que se quer estabelecer no municipio da Corte, acabando-se assim com a única verdadeira municipalidade que ainda temos" (id., ibid.).

A última consequência do procedimento era, assim, incluir regimentalmente mais uma discussão compulsória na Câmara dos Deputados: o orçamento do município da Corte. Além de destruir a autonomia municipal e ser ineficaz como instrumento de fiscalização, o procedimento causava um atraso danoso nos negócios públicos:

"Cai uma ponte, uma inundação repentina leva um aterro, é indispensável pronto remédio, que não pode esperar que as quantias necessárias sejam consignadas no orçamento da câmara e que esta venha aqui receber e no Senado a sua aprovação."

Paulino continua verberando a intenção de controlar cada despesa específica do município, enfatizando seus efeitos sobre os gestores públicos locais, reduzidos a meros executores de um orçamento defasado:

"É por motivos semelhantes que nas nossas províncias e em muitos de nossos munícípios não se encontram muitas vezes pessoas que queiram servir os cargos de vereador, de juiz de paz municipal, de chefe de legião, etc, que vão cair em mãos menos dignas. As nossas leis, cercando esses cargos de incômodos e de conflitos, têm dado a alguns muito fracos meios de fazer o bem. Deixemos, porém, essa digressão que levaria longe".

Ou seja, a politicagem faria o resto, trazendo para a Câmara os debates sobre vereadores, fiscais e administradores de obras municipais. Dá mais uma cacetada em Montezuma, o flamejante deputado da Bahia e pede:

"...Posto que não o considere tão criminoso como o deputado pela Bahia o quis figurar, não tomarei tempo o tempo à Câmara com sua análise e defesa. O que eu peço é que não se faça desta questão uma questão de pessoas, que não se confunda a causa dos vereadores, boa ou má, com a causa da municipalidade do Rio de Janeiro (apoiados)".

Deixemos a citação: "As nossas leis, cercando esses cargos de incômodos e de conflitos, têm dado a alguns muito fracos meios de fazer o bem."

7 de julho de 1837: estrada da Serra do Paraty


"Antes de começar uma obra examinar as forças, e depois de começada, continuar nela com perseverança; para que não se dispendam os dinheiros públicos sem proveito, como tem acontecido pela prática seguidas pelas administrações que entre nós se sucedem com muita rapidez. Em lugar de mandarem continuar nas obras começadas por outras administrações, fazem-nas parar e principar outras; apresentando-se em resultado muitas obras principiadas e nenhuma acabada" (Sessão de 7 de julho de 1837).

Fala das obras a cargo do governo geral no Rio de Janeiro: a estrada da Serra do Paraty, a estrada de Mambucaba ("que está parada") e dois pilares da ponte sobre o rio Parahybuna ("muito estragados").

Foto: ponte sobre o rio Paraibuna, fronteira entre os estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais.

7 de maio de 1857: Paulino disse não.


Ao final de abril, Caxias esgotou o seu fôlego e o gabinete finalmente caiu. Sem glória, como se dizia, sem pompa, fruto de um certo cansaço geral. Pedro II não tem mais escolha, depois da morte de Hermeto. Existe um único homem no país à altura da tarefa porque não hesita, porque não teme usar o poder, é a escolha natural. O Imperador sabia disso, assim como todos os outros. Naquele momento, restava uma carta apenas: Paulino.

Enquanto seguia para o Paço, talvez saboreasse por antecipação uma consagração quase inevitável. Quem o olhasse de perto, entretanto, sentado a seu lado, ouvindo sua respiração, notaria sem dúvida mãos crispadas demais, o rosto distante de alguém que segue para cumprir uma obrigação desagradável. Por enquanto, só Paulino sabe que dirá não ao Imperador, mas ainda não está bem certo disso. Pensa, observa as ruas do Rio de Janeiro à noite.

Os meios políticos sabem que Paulino será convidado a formar o gabinete e governar o país. O Imperador, que já o fez Visconde do Uruguai espera dobrar mais um saquarema. Os amigos estão prontos a agir sob suas ordens e os adversários, em Minas Gerais ou São Paulo, em Montevidéu ou em Buenos Aires, sabem a quem devem temer. A posição que foi de Hermeto lhe será oferecida, mas Paulino, enquanto vai ao encontro do Imperador, já sabe que dirá não.

Depois, Paulino sabe que será o fim. Não tanto pela recusa em assumir o posto, mas pela condenação tácita das visões políticas do Imperador. Ele é teimoso, turrão e orgulhoso. Vai tomar como desfeita a seus planos pessoais. Paulino quer dar um exemplo. Não há compromisso possível em torno de certas coisas, pensa ele. Mesmo no Brasil, mesmo no Brasil.

A conversa com o Imperador não cumpriu nenhuma de suas expectativas. Ele perguntou muito da Europa e de Paris, Paulino assentira em comentar mais longamente o que vira, mas sobre política pouco se estenderam. O Imperador o consultou sobre sua disposição em assumir o governo e Paulino expôs suas razões para declinar. Logo passaram a outro assunto, sem uma frase sequer, dramática, a registrar na memória. Melhor assim, pensava ele, melhor assim.

Litografia: Pedro II por volta de 1850.

28 de maio de 1858: conciliação não é política

O tempo passou. Pedro II escolheu outro chefe para o gabinete e Paulino resignou-se a seus pareceres no Conselho de Estado. A recusa afinal pode ter tido causas pessoais de momento, uma indisposição de espírito. O Imperador era pragmático na relação com os políticos e dificilmente o assunto perturbou seus momentos de contemplação nos jardins da Quinta da Boa Vista.

Paulino, ao menos, parece ter sentido mais pessoalmente o resultado insatisfatório do silencioso duelo de vontades. Deixou, em sua memória, um dos mais belos discursos políticos do país, lido em 28 de maio de 1858, cujos ecos ressoam no tempo presente. Como diria, mais de um século depois, a Dama de Ferro, busca de consenso é falta de princípio. Tem a palavra o senador Paulino José Soares de Sousa, Visconde do Uruguai:

“Começarei por declarar que nunca compreendi e ainda hoje não compreendo essa política. Creio que o governo, apregoando-a do modo pelo qual o faz, promete aquilo que não pode fazer e atribui a si resultados que não são seus”.

“Conciliar, creio eu, segundo a significação literal dessa palavra, é fazer concordar pessoas divididas por opiniões e interesses. Há sempre na sociedade interesses que não se pode fazer concordar, há sempre opiniões que não é possível homologar”.

“Há na sociedade humana uma ebulição constante que tende a transforma-la. Não está no poder do governo fazer a sociedade como ele entende, há de recebe-la tal qual é. O tempo altera e modifica tudo à roda de nós, modifica-nos todos os dias; não pensamos hoje como pensávamos há anos, não temos hoje os mesmos interesses que nos moviam em épocas anteriores. O mesmo acontece aos partidos”.

“É da deslocação desses interesses, da mudança das circunstâncias e opiniões, é do arrefecimento dos ódios e das paixões, é dessas modificações que resulta uma nova disposição de espíritos, e a conciliação”.

“A missão do governo consiste em auxiliar, concorrer por todos os meios a seu alcance para facilitar e encaminhar esse resultado, removendo os obstáculos em lugar de os pôr. Mas isso não é bandeira, não é política. É uma tendência, uma necessidade irreversível de certas épocas na sociedade. A política da moderação é uma política inculcada por todos os governos”.

“Ouvi esses déspotas da Ásia; eles vos dirão que seus governos são moderados. Qual o governo, qual é o ministério que escreveu em sua bandeira: “Nada de moderação e de concórdia; o meu fim é irritar os espíritos, acordar os ódios e as paixões adormecidas”? Nenhum”.

“A conciliação é uma conseqüência do estado e atuais circunstâncias da sociedade, é uma necessidade da nossa época. Quem foi plantar a bandeira da concórdia entre os antigos partidos moderado e exaltado? Houve algum ministério que se lembrasse de entrar entre eles, conciliando-os, quando eram inconciliáveis, quando as suas paixões estavam na sua maior efervescência, quando seus interesses eram mais encontrados e vivazes? Se algum ministério o tivesse feito então, teria perdido o seu tempo e sua força e teria sido levado de rojo por ambos os partidos. E onde estão eles hoje? Acalmaram-se, modificaram-se com o tempo, transformaram-se, desapareceram e são hoje recordações históricas. Qual foi o ministério que os conciliou?”

“Pode algum ministério hoje reconstruir as épocas de 1840, 1841, 1842 e 1844, extenuar as paixões que então nos dividiam, restituir-lhes a energia e força que tinham e reconstruir interesses que então dominavam e que as circunstâncias e o tempo têm profundamente modificado? Nenhum o poderia fazer e por isso nenhum ministério pode ter hoje outras tendências, senão as atuais da sociedade que nos levam para a moderação e para a concórdia.”

“Há, porém, um grande inconveniente no modo pelo qual o governo apregoa essa tendência como política sua. Substitui a sua ação à do tempo e das circunstâncias e toma a si toda a responsabilidade de toda aquela conciliação que não se pode fazer. O governo é que é o conciliador, muitos esperam dele que concilie e não faltam aqueles que querem alguma compensação para se conciliarem e para isso é preciso que permaneçam nas suas antigas posições”.

“Fazem-se concessões, dão-se empregos para conciliar. Outros esperam o mesmo e não se conciliam e esse modo de conciliação, se concilia a uns, desconcilia outros e produz a desmoralização”.

“Há partidos discriminados em uma província. Vá um presidente para os conciliar e esse muitas vezes desconcilia para conciliar, isto é, desmonta, faz reações que provocam outras para conciliar. É escolhido um homem que pertenceu a um dos antigos partidos, teoricamente moderado e conciliador. Dificilmente deixará de fazer pender a balança para o lado daqueles aos quais tem naturalmente mais afeição. As afeições de nossos corações e as prevenções de nosso espírito dificilmente deixam de prejudicar os nossos juízos. Faço aos cidadãos nomeados pelo governo presidentes para certas províncias a justiça de crer que, quando saem do Rio de Janeiro, vão com intenções moderadas e conciliadoras. Chegam à província com a conciliadora intenção de equilibrar as forças e posições dos partidos, como se isso pudesse conciliar, porém nada mais natural do que não lhes deixar a prevenção ver vem o fiel da balança; e qual é o resultado? Demitem para equilibrar. Essas demissões trazem a reação. Essa reação, luta e novas demissões e daí a pouco tempo está completamente posta de parte a conciliação. Assim, para conciliar-se, desconcilia-se”.

“A moderação não é política, é meio; a conciliação não é política, é o resultado do emprego desse meio”.

Honório Hermeto

As relações pessoais entre Paulino José e Honório Hermeto Carneiro Leão mereceriam, talvez, um estudo à parte. Personalidades diferentes e parceiros políticos em várias empreitadas, o Visconde e o Marquês viveram trajetórias paralelas e seria interessante saber algo mais sobre os termos dessa amizade política. Um descedente do Visconde, José Antônio Soares de Souza, publicou, por sinal, uma obra fundamental sobre essa relação: Honório Hermeto no Rio da Prata (Missão Especial de 1851-1852), volume 297 da Brasiliana, publicado em 1959. Uma simples análise das notas do livro já traz informações valiosas.

Não custa registrar que Hermeto, como primeiro-ministro, já Marquês do Paraná, realizará a missão política primeiro oferecida, pelo Imperador, a Paulino José. Este último, como se sabe, fez uma dos mais brilhantes discursos do parlamento brasileiro justamente condenando a conciliação.

Questão de Limites (1856)

"... Paulino acordou mais uma vez depois de um sonho ruim naquela noite de maio. Não chegara a ofegar de susto em sua cama, na noite quente em Paris, mas sentia ainda o desconforto diante de algo que não se resolvia. Não era homem dado a essas coisas.Na janela, de manhã, já vestido para um novo encontro no ministério, repetia o olhar calculado sobre o cenário que sabia familiar. A ordem dos prédios, as varandas em metal trabalhado, as janelas encimadas com adornos, as cabeças de leão, as estátuas. Na diversidade, a harmonia, pensou Paulino, meio culpado por sentir-se em casa em Paris. Concordou em silêncio com a beleza daquela cidade. Sabia muito bem que lhe cabia um lugar qualquer. Em Saint Etienne du Mont, seu nome estava escrito em algum livro na sacristia.

Ainda na janela, refletia sobre seus pesadelos, estimulados decerto pela distância do Rio de Janeiro e pela missão improvável que aceitara. Pensou que podia, de fato, morrer ali mesmo longe do Brasil. Pensou muitas outras coisas.

Os sonhos, na verdade, eram sobre o Brasil. No meio da noite, se via perdido no meio de uma mata fechada, a mesma floresta quente e opressiva de sua infância em São Luís do Maranhão. Ouvia chamar a voz de sua mãe, mas de casaca, vestido a rigor, suando, estava sozinho na floresta silenciosa. Não temia seus animais, não temia a fome, mas era tomado pelo terror de ficar perdido para sempre, vagando sem destino em meio à trama insolúvel das árvores. Caminhando a esmo, nesse desespero, encontrava então um menino. Sua face lembrava seu filho mais velho, mas era também a face do Imperador menino. Com um galho ele ia traçando uma linha no chão. Paulino não conseguia lembrar do que perguntava à criança, mas lembrava da resposta: "não sei, não sei". E acordava. Em outro sonho, sentia mais evidente o sentido. Estava numa viagem de barco em um rio cercado pela floresta impenetrável. Sob um sol infernal, picado por insetos invisíveis, com um mapa nas mãos, Paulino seguia curva após curva de largos rios amazônicos por um tempo que parecia infinito.

Comandava uma tripulação militar, estranhamente condecorada, mas notava, pouco a pouco, que seus companheiros iam desaparecendo do barco. Logo então estava sozinho na proa. O barco seguia, seguia, embrenhando-se em um labirinto de águas, matas e silêncio de onde ele sabia que jamais retornaria, perdido, perdido para sempre esquecido de todos. Esse era o destino de muitas noites desde que chegara à França como plenipotenciário para negociar a questão do Oiapoque..."

Os "Estudos" como cortesia do Google

Um dos mais raros títulos da bibliografia do Viconde do Uruguai está finalmente disponível. Melhor de tudo: gratuitamente, cortesia do Google Books. É fácil fazer o download e rapidamente Os Estudos práticos sobre a administração das Províncias podem ser lidos em formato pdf.

Eles foram publicados em 1865, pela Imprensa Nacional, no Rio de Janeiro, e sabemos que Uruguai não chegou a viver por mais um ano. Soam melancólicos, portanto, os planos anunciados com detalhe no prefácio, de escrever sobre as presidências das províncias, sobre as comarcas, etc.

De resto, é o velho Paulino de sempre, notando implacável que não se estuda, nem se lê no Brasil, nem mesmo os livros curtos e graves. Revivendo sua bête noire preferida, seu inimigo de longos anos, o Ato Adicional de 1834, as fumaças de federalismo, a autonomia legislativa das províncias. Páginas e páginas para reviver seu antigo combate, combate vencido e sempre necessário. Insistindo no uso da razão, da razoabilidade, capaz ainda de revolta, de um “isto tem de mudar”.

Há algo de particular na voz de Uruguai, semelhante ao instinto do comandante, sentido aguçado da relevância, frases diretas, ironia cortante de quem sabia reconhecer os males de seu país. Lançando perguntas que não têm resposta. Ontem à noite assistia Mississipi burning, filme cortante sobre o perigo moral do federalismo, sobre a bestialidade oculta no discurso da autonomia estadual. Lembrei-me da repressão aos liberais de 1842, conduzida por Uruguai, justamente para acabar com autonomias, jagunços, fazendas e engenhos de cana fora do alcance da lei. Li seus discursos, pronunciados anos mais tarde, defendendo suas ações implacáveis. Ele nunca recua, não se desculpa, ataca, questiona e denuncia. Fiz e faria de novo, avisa da tribuna.

Das consequências da liberdade

Nenhum mistério político impressionou mais a Paulino José Soares de Souza: as consequências da liberdade. Os tortuosos caminhos ligando o límpido ideal liberal e o direito de acoitar capangas em usinas de açúcar em Pernambuco, retiradas do alcance do braço da autoridade em nome dos direitos individuais. Os mesmos caminhos que levaram as autoridades portuguesas, mal iniciada uma revolução liberal, a encarcerar alunos brasileiros em Coimbra pelo mero fato de serem brasileiros. Entre eles, Paulino José. A perigosa liberdade, em cuja sombra precisa prosperar em silêncio tanta coisa a mais. Gastar a vida pensando, então, nessas tantas coisas a mais.