domingo, 24 de maio de 2009

Exercício de Política Externa


Muito se fala sobre a identidade latino-americana e a baixa ocorrência de conflitos bélicos na região. No século XX, de fato, algumas custosas guerras envolveram nações do continente, mas as duas grandes potências, Brasil e Argentina, entraram pela última vez em conflito aberto na campanha de 1852. Desde então, a aproximação diplomática tem sido exemplar, desarticulando qualquer possibilidade de formação de um equilíbrio de poder de natureza westfaliano. A Argentina não busca aliados ao norte do Brasil; Uruguai e Paraguai nunca tiveram a chance de exercer (ou se beneficiar) da posição de estados tampão.

Trata-se de um inegável sucesso, mas configurações de políticas externa com essa natureza não podem ser atribuídas ao acaso. São o resultado de processos bem conduzidos de dissuasão, de definição de interesses nacionais e de demonstrações de força. A fixação pacífica das fronteiras do Brasil, o mito Rio Branco, não é a origem desse processo - é o seu final.

Tal sucesso foi produzido principalmente pelo governo do Brasil em duas dimensões importantes:

1) A aceitação da derrota na Guerra da Província Cisplatina marcou o abandono dos planos lusitanos de expansão sobre território hispânico consolidado. Poupou o Brasil de abrigar uma população culturalmente distinta e deu segurança tácita à Argentina de que a margem do Rio da Prata não seria disputada. Em 1828 foi fixado um elemento crucial de uma ordem estável: um statu quo;

2) Foi evitada qualquer interferência estrutural, de caráter militar, das potências européias em uma época quando os Estados Unidos não teriam condições de impor a Doutrina Monroe pela força das armas. Ao contrário de outros continentes submetidos a condições coloniais, a América Latina não admitiu o estacionamento de tropas inglesas ou francesas. As potências européias continuaram limitadas às Guianas, que pertenciam por razões até de tecnologia naval, à órbita do Caribe.

Não se pode considerar, contudo, que o estabelecimento de um regime estável de relações internacionais beneficia todos os atores da mesma maneira. O Brasil desistiu da Província Cisplatina, mas jamais desistiu do Rio Grande do Sul, sua plataforma para intervenção nas questões do Prata. A política de abertura dos rios da bacia do Prata não era a mesma adotada na bacia do rio Amazonas. O Brasil afastou França e Inglaterra da América do Sul, alinhando-se tacitamente aos Estados Unidos, que entenderam corretamente a mensagem.

A verdade é que a paz foi construída pelo Brasil na América do Sul dentro dos seus mais imediatos interesses nacionais e, por um algum período, pela força das armas e pelas suas vantagens geopolíticas. É comum alimentar ilusões fraternais sobre esses fatos, mas nossos vizinhos não têm essas ilusões. Esse livro aí, na ilustração, mostra como ainda nos anos 1960, a queda de Rosas podia ter sua rósea versão brasileira contestada por revisionistas argentinos. Nada mais natural que fossem respondidos pelo bisneto do Visconde de Uruguai.

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