segunda-feira, 11 de maio de 2009

28 de maio de 1858: conciliação não é política

O tempo passou. Pedro II escolheu outro chefe para o gabinete e Paulino resignou-se a seus pareceres no Conselho de Estado. A recusa afinal pode ter tido causas pessoais de momento, uma indisposição de espírito. O Imperador era pragmático na relação com os políticos e dificilmente o assunto perturbou seus momentos de contemplação nos jardins da Quinta da Boa Vista.

Paulino, ao menos, parece ter sentido mais pessoalmente o resultado insatisfatório do silencioso duelo de vontades. Deixou, em sua memória, um dos mais belos discursos políticos do país, lido em 28 de maio de 1858, cujos ecos ressoam no tempo presente. Como diria, mais de um século depois, a Dama de Ferro, busca de consenso é falta de princípio. Tem a palavra o senador Paulino José Soares de Sousa, Visconde do Uruguai:

“Começarei por declarar que nunca compreendi e ainda hoje não compreendo essa política. Creio que o governo, apregoando-a do modo pelo qual o faz, promete aquilo que não pode fazer e atribui a si resultados que não são seus”.

“Conciliar, creio eu, segundo a significação literal dessa palavra, é fazer concordar pessoas divididas por opiniões e interesses. Há sempre na sociedade interesses que não se pode fazer concordar, há sempre opiniões que não é possível homologar”.

“Há na sociedade humana uma ebulição constante que tende a transforma-la. Não está no poder do governo fazer a sociedade como ele entende, há de recebe-la tal qual é. O tempo altera e modifica tudo à roda de nós, modifica-nos todos os dias; não pensamos hoje como pensávamos há anos, não temos hoje os mesmos interesses que nos moviam em épocas anteriores. O mesmo acontece aos partidos”.

“É da deslocação desses interesses, da mudança das circunstâncias e opiniões, é do arrefecimento dos ódios e das paixões, é dessas modificações que resulta uma nova disposição de espíritos, e a conciliação”.

“A missão do governo consiste em auxiliar, concorrer por todos os meios a seu alcance para facilitar e encaminhar esse resultado, removendo os obstáculos em lugar de os pôr. Mas isso não é bandeira, não é política. É uma tendência, uma necessidade irreversível de certas épocas na sociedade. A política da moderação é uma política inculcada por todos os governos”.

“Ouvi esses déspotas da Ásia; eles vos dirão que seus governos são moderados. Qual o governo, qual é o ministério que escreveu em sua bandeira: “Nada de moderação e de concórdia; o meu fim é irritar os espíritos, acordar os ódios e as paixões adormecidas”? Nenhum”.

“A conciliação é uma conseqüência do estado e atuais circunstâncias da sociedade, é uma necessidade da nossa época. Quem foi plantar a bandeira da concórdia entre os antigos partidos moderado e exaltado? Houve algum ministério que se lembrasse de entrar entre eles, conciliando-os, quando eram inconciliáveis, quando as suas paixões estavam na sua maior efervescência, quando seus interesses eram mais encontrados e vivazes? Se algum ministério o tivesse feito então, teria perdido o seu tempo e sua força e teria sido levado de rojo por ambos os partidos. E onde estão eles hoje? Acalmaram-se, modificaram-se com o tempo, transformaram-se, desapareceram e são hoje recordações históricas. Qual foi o ministério que os conciliou?”

“Pode algum ministério hoje reconstruir as épocas de 1840, 1841, 1842 e 1844, extenuar as paixões que então nos dividiam, restituir-lhes a energia e força que tinham e reconstruir interesses que então dominavam e que as circunstâncias e o tempo têm profundamente modificado? Nenhum o poderia fazer e por isso nenhum ministério pode ter hoje outras tendências, senão as atuais da sociedade que nos levam para a moderação e para a concórdia.”

“Há, porém, um grande inconveniente no modo pelo qual o governo apregoa essa tendência como política sua. Substitui a sua ação à do tempo e das circunstâncias e toma a si toda a responsabilidade de toda aquela conciliação que não se pode fazer. O governo é que é o conciliador, muitos esperam dele que concilie e não faltam aqueles que querem alguma compensação para se conciliarem e para isso é preciso que permaneçam nas suas antigas posições”.

“Fazem-se concessões, dão-se empregos para conciliar. Outros esperam o mesmo e não se conciliam e esse modo de conciliação, se concilia a uns, desconcilia outros e produz a desmoralização”.

“Há partidos discriminados em uma província. Vá um presidente para os conciliar e esse muitas vezes desconcilia para conciliar, isto é, desmonta, faz reações que provocam outras para conciliar. É escolhido um homem que pertenceu a um dos antigos partidos, teoricamente moderado e conciliador. Dificilmente deixará de fazer pender a balança para o lado daqueles aos quais tem naturalmente mais afeição. As afeições de nossos corações e as prevenções de nosso espírito dificilmente deixam de prejudicar os nossos juízos. Faço aos cidadãos nomeados pelo governo presidentes para certas províncias a justiça de crer que, quando saem do Rio de Janeiro, vão com intenções moderadas e conciliadoras. Chegam à província com a conciliadora intenção de equilibrar as forças e posições dos partidos, como se isso pudesse conciliar, porém nada mais natural do que não lhes deixar a prevenção ver vem o fiel da balança; e qual é o resultado? Demitem para equilibrar. Essas demissões trazem a reação. Essa reação, luta e novas demissões e daí a pouco tempo está completamente posta de parte a conciliação. Assim, para conciliar-se, desconcilia-se”.

“A moderação não é política, é meio; a conciliação não é política, é o resultado do emprego desse meio”.

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