sábado, 23 de maio de 2009

O anti-Uruguai

Os Estudos Práticos passam de sua introdução a um singular Título Preliminar - Como deve ser entendido o Ato Adicional. Nesse longo texto, quase trinta páginas de uma argumentação que invoca O Federalista, os comentários à Constituição dos Estados Unidos e as máximas do Digesto, temos um notável anti-Uruguai. As páginas buscam firmar o conceito jurídico da interpretação (ainda uma resposta aos que o acusavam de ter reformado a Constituição sem obedecer às exigências regimentais de uma emenda) e aplicar rigorosamente o conceito norte-americano de "poderes implícitos" às atribuições provinciais fixadas no Ato Adicional.

O que temos nessas páginas é um surpreendente Uruguai, afirmando com todas as letras que as Assembléias Provinciais devem ter toda a autonomia legal e executiva para exercer aquelas funções que lhes são exclusivas. Uruguai apresenta uma notável leitura federalista da Constituição imperial e do seu Ato Adicional: as atribuições do Governo Geral são enumeradas e devem ter todos os seus poderes implícitos; as atribuições provinciais são as demais e elas também são autônomas no exercício dessas atribuições.

Escrevendo em 1864, depois da estabilização do regime e da conciliação, Uruguai se apresenta como o inverso de sua imagem histórica:

"O fim do ato adicional (fim santo e justíssimo) foi depositar nas Províncias suficiente força, suficientes meios, bastante autoridade para poderem por si aviar, sem as longas morosidades de um só centro, certo negócios provinciais e a respeito deles, uma vez que se contivessem nas raias traçadas pela Constituição, torná-las independente até da Assembléia Geral.

Como admitir uma inteligência que tornaria a trazer para o centro aquilo que foi descentralizado e a por debaixo da dependência da Assembléia e Governo gerais, para complemento, negócios provinciais que deles destacara o ato adicional?

Que acréscimo de tarefa não viria daí ao governo e à Assembléia Geral, que mal pode às vezes aviar a fala do Trono, as discussões de desabafo pessoal e as leis anuais!

Teria a Assembléia Geral de completar, com propostas ou sem elas, a legislação de vinte províncias sobre instrução pública, criação de empregos provinciais, sobre arrecadação de impostos, sobre obras públicas, corpos policiais, etc. Voltaríamos à centralização anterior ao ato adicional" (Estudos Práticos, pág 27).

O autor dessas linhas, intérprete da Constituição e do Ato Adicional com os instrumentos oferecidos por O Federalista e pelos comentaristas norte-americanos, não pode ser classificado com um maquiavélico e autoritário centralizador. Nesse momento, a página do caos já tinha sido virada e Uruguai está examinando o problema atual do regime: a tentação da centralização política, a tentação de tudo fiscalizar e tudo controlar. É o anti-Uruguai da lenda política.

É evidente que, publicando os Estudos em 1865, Uruguai é só um conselheiro do Estado, senador, adoentado, falando sobre administração provincial em tempos de guerra. Não será ouvido e talvez saiba disso. Está, contudo, defendendo ainda sua herança política e o espírito de sua ação ministerial: separar política da administração, impedir que o caos administrativo seja instrumento de rebelião política. Definir qual o papel do Governo Geral e qual o papel da Província. Ao fazê-lo com o instrumento intelectual mais sofisticado, à época, para tratar do assunto - O Federalista - não pode ser descrito como um centralizador autoritário, nos moldes do fascismo brasileiro dos anos 1930.

Ainda em 1987-1988, quando os constituintes votaram em Brasília, sua voz poderia ser ouvida: o país pagaria menos pela confusão entre as atribuições da União e dos Estados. Hoje, em maio de 2009, o estado de Santa Catarina tenta fazer valer um Código Florestal adaptado às suas realidades. O que diria a boa inteligência do Ato Adicional?

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