segunda-feira, 11 de maio de 2009

Questão de Limites (1856)

"... Paulino acordou mais uma vez depois de um sonho ruim naquela noite de maio. Não chegara a ofegar de susto em sua cama, na noite quente em Paris, mas sentia ainda o desconforto diante de algo que não se resolvia. Não era homem dado a essas coisas.Na janela, de manhã, já vestido para um novo encontro no ministério, repetia o olhar calculado sobre o cenário que sabia familiar. A ordem dos prédios, as varandas em metal trabalhado, as janelas encimadas com adornos, as cabeças de leão, as estátuas. Na diversidade, a harmonia, pensou Paulino, meio culpado por sentir-se em casa em Paris. Concordou em silêncio com a beleza daquela cidade. Sabia muito bem que lhe cabia um lugar qualquer. Em Saint Etienne du Mont, seu nome estava escrito em algum livro na sacristia.

Ainda na janela, refletia sobre seus pesadelos, estimulados decerto pela distância do Rio de Janeiro e pela missão improvável que aceitara. Pensou que podia, de fato, morrer ali mesmo longe do Brasil. Pensou muitas outras coisas.

Os sonhos, na verdade, eram sobre o Brasil. No meio da noite, se via perdido no meio de uma mata fechada, a mesma floresta quente e opressiva de sua infância em São Luís do Maranhão. Ouvia chamar a voz de sua mãe, mas de casaca, vestido a rigor, suando, estava sozinho na floresta silenciosa. Não temia seus animais, não temia a fome, mas era tomado pelo terror de ficar perdido para sempre, vagando sem destino em meio à trama insolúvel das árvores. Caminhando a esmo, nesse desespero, encontrava então um menino. Sua face lembrava seu filho mais velho, mas era também a face do Imperador menino. Com um galho ele ia traçando uma linha no chão. Paulino não conseguia lembrar do que perguntava à criança, mas lembrava da resposta: "não sei, não sei". E acordava. Em outro sonho, sentia mais evidente o sentido. Estava numa viagem de barco em um rio cercado pela floresta impenetrável. Sob um sol infernal, picado por insetos invisíveis, com um mapa nas mãos, Paulino seguia curva após curva de largos rios amazônicos por um tempo que parecia infinito.

Comandava uma tripulação militar, estranhamente condecorada, mas notava, pouco a pouco, que seus companheiros iam desaparecendo do barco. Logo então estava sozinho na proa. O barco seguia, seguia, embrenhando-se em um labirinto de águas, matas e silêncio de onde ele sabia que jamais retornaria, perdido, perdido para sempre esquecido de todos. Esse era o destino de muitas noites desde que chegara à França como plenipotenciário para negociar a questão do Oiapoque..."

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