quinta-feira, 28 de maio de 2009

"a dissolução da Câmara não importa a das Assembléias Provinciais"

O Capítulo III dos Estudos Práticos termina analisando aquele que é um problema concreto da política imperial e também um obstáculo real para qualquer reforma do sistema de governo no Brasil: a natureza federal da política instaurada desde o Ato Adicional de 1834. Uruguai registra e comenta as dificuldades criadas pelo fato de que a Câmara dos Deputados, que forma o governo central, e as Assembléias Provinciais, que não forma o governo provincial, têm trajetórias eleitorais distintas.

Uma Câmara pode ser dissolvida poucos meses depois de ser eleita, por decisão do Gabinete; dissolver também as Assembléias, eleitas pelos mesmos eleitores e pelos mesmos distritos, seria impraticável e, frequentemente, impossível sem a completa interrupção do processo legislativos nas províncias. Não restava a Uruguai senão a interpretação estrita da Constituição e do Ato Adicional: as assembléias provinciais devem continuar funcionando pelo curso de seu mandato de dois anos, mesmo que a Câmara tenha sido dissolvida e novamente eleita.

Um regime parlamentar no Brasil cria imediatamente um descompasso entre a política nacional e estadual, cujas consequências são imprevisíveis e potencialmente caóticas. Permitir que os estados se organizem com regimes parlamentaristas apenas agravaria a situação: as maiorias estaduais (assim como as maiorias nas atuais Assembléias Legislativas) imediatamente se transformariam em férreas oligarquias.

Uruguai não se enganava quanto à realidade: "Por outro lado, as Assembléias provinciais tem se envolvido, estão a isso acostumadas, nisso somente enxergam atrativos, e será, ao menos por longo tempo, impossível demovê-las de envolverem-se em política especulativa, hostilizando e enredando a marcha dos Presidentes tirados do lado diverso daquele de que se formam suas maiorias. A maioria da Câmara dos Deputados hostiliza um ministério a ponto de tornar impossível a sua continuação. O Poder Moderador entende dever dissolvê-la e apelar para a Nação. Entretanto em 10, 12, 14 Assembléias Provinciais dominam as opiniões daquela maioria. Hostilizam, entravam (abundam entre nós os exemplos) a marcha dos Delegados do Poder Geral" (pág 84).

Notas-se, ao mesmo tempo, como a política estadual tinha plenas condições institucionais de sobreviver à revelia das maiorias nacionais, mesmo sob a Lei de Interpretação de 1840, mesmo com a nomeção dos Presidentes pelo Gabinete, e como são semelhantes aos lamentos dos primeiros Presidentes da República do recente período democrático: todos tendo que conviver com conspirações e "entraves" promovidos pelos governadores dos estados mais importantes. Foram necessários dez anos de ajuste fiscal, reforma política (encurtamento do mandato presidencial) e reforma administrativa para que os governadores de estado, hoje, se conformem com uma posição meramente administrativa.

Nos tempos de Uruguai, sem soluções constitucionais viáveis (ou seja, aceitáveis para deputados gerais já sensíveis aos movimentos da política da província onde foram eleitos), restava a esperança: "Demais creio que o Poder Geral as poderá conter, durante o resto do biênio, dentro dos limites de suas atribuições, por meio de Presidentes firmes, inteligentes, justos e prudentes." (pág 84). Não é bom sinal quando um homem pragmático e um político cético como Uruguai deposita suas esperanças em boas escolhas e qualidades pessoais.

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