terça-feira, 30 de junho de 2009

Elementos para uma teoria política do Império

A história dos regimes socialistas no século XX mostra que mesmo os governos mais totalitários e menos abertos à contestação social terminam forçados a admitir alguma forma de competição política e de busca de legitimidade. As meras fraquezas humanas, a doença, a morte, exigem mecanismos de sucessão e consenso interno. Eventos externos podem desestabilizar a mais feroz ditadura política. Assim, o governo de Cuba precisou adotar, recentemente, uma forma de sucessão dinástica - um modelo fundamentalmente hispânico de política tradicional. O governo do Irã está aprendendo uma dura lição depois que resolveu patrocinar a mais inocente das fraudes políticas: roubar uma eleição.

A ausência de democracia não desqualifica, portanto, o regime instalado no Brasil em 1822 como objeto de uma investigação rigorosa. O estudo de sua dinâmica não é um esforço antiquário, meramente historiográfico.

Para começar, ele pode ser considerado muito mais liberal e aberto do que os atuais governos socialistas ou do que a república islâmica. Possuía instituições representativas franqueadas à competição entre elites, definições formais de direitos individuais bem mais amplas e meios de informação submetidos a muito menor controle oficial, se descontamos as questões relativas aos costumes. Havia mais jornais no Rio de Janeiro na década de 182o do que na Havana de 2009.

O trabalho escravo certamente impunha limitações consideráveis ao conteúdo da política e à dimensão do eleitorado, mas um homem livre, mesmo negro, poderia participar da vida eleitoral e partidária. A abolição do trabalho escravo foi conquistada dentro da mais absoluta normalidade parlamentar: o ventre livre, os sexagenários e a abolição são o resultado de leis e portam tal nome.

O teste fundamental das instituições - sua resistência ao estresse - foi cumprido pela Constituição de 1824 com uma consistência não revelada pelas constituições republicanas posteriores. Pedro I foi contestado pelas ruas e pelo Parlamento e abdicou. O regime passou normalmente ao formato regencial, com o qual superou rebeliões estaduais e promoveu notável sucessão no comando político do país. Outro fato nem sempre realçado: a competição entre elites e o combate a rebeliões estaduais jamais deu oportunidade ao envolvimento militar com a política. Mesmo nos piores dias, por sinal, os ministros da Marinha e da Guerra eram políticos civis.

A política imperial deve, assim, ser analisada normalmente com instrumentos modernos, sem a necessidade de incorrer em anacronismos e fazer concessões conceituais. Da abdicação de D. Pedro I à queda de Feijó identificamos dois elementos fundamentais:

1) Definição da autoridade do Poder Executivo: o Monarca exercerá suas atribuições dentro dos limites constitucionais; o Gabinete governará com a confiança da Câmara.

2) Definição da autoridade do Poder Legislativo: os grupos e facções serão constituídos em bases eleitorais estaduais, mas se organizarão nacionalmente. O conflito político será circunscrito à arena parlamentar e sua extensão eleitoral será definida de forma derivada.

Assim, apesar de todo o debate sobre o poder pessoal do monarca ou da extensão do Poder Moderador, as instituições imperiais criaram um notável sistemas de checks and balances contra um Executivo forte. O Monarca não poderia alimentar ambições absolutistas depois de 1831; o modelo do Regente Único, eleito pelo povo, fracassou em 1837. O Executivo legítimo, desde então, seria apontado pela Câmara e governaria enquanto durasse sua confiança, por mais subjetiva que fosse sua definição.

Outra consequência nem sempre reconhecida: as décadas imperiais forjaram uma tradição fortíssima de governo moderado, partilhado e consensual. O primeiro período de ditadura pessoal aberta, conduzida pelo Poder Executivo, foi iniciado apenas em 1937, cem anos após a queda de Feijó, sob as pressões políticas e ideológicas de uma conflagração mundial. Coincidentemente, o único período histórico em que o Parlamento instalado em 1823 deixou de funcionar regularmente.

Por fim, a despeito de toda a retórica revolucionária e irredentista de parte de suas elites, o Parlamento é o centro silencioso e real do poder político no Brasil. Nenhum governo, a médio prazo, sobrevive ou triunfa sem uma estratégia de poder parlamentar. É nesse e para esse ambiente que são formadas as vocações políticas brasileiras. As exceções são raras e ocasionais: são efetivamente exceções.

A oposição silenciosa de 1836, cujos nomes mal são mencionados pelas páginas da história, tratada como uma "penca de conservadores", certamente não tinha a mais pálida idéia do que havia conquistado em seu combate contra Feijó, mas consolidou as bases de um tradição política secular. O Regente derrotado voltaria, anos depois, às ruas para comandar uma revolução liberal, mas seu grande feito foi transferir o poder, em silêncio, para a oposição parlamentar.

Por um acaso da História, tinha assento nessa Câmara, o presidente da Provincia do Rio de Janeiro. Pouco interessado em pronunciamentos, Paulino José Soares de Souza escreveria as leis que dariam forma à realidade política criada por tais embates.

domingo, 28 de junho de 2009

Duas versões para a queda do Regente Feijó

Tornou-se popular, nos últimos anos, a idéia de que política brasileira poderia evoluir em um sentido republicano, federalista e anti-escravista após a queda de D. Pedro I. Os liberais viveram a boa derrota, lutando pela boa causa. Os Estados Unidos não conseguiram conjugar independência e abolição do trabalho escravo. Cuba não conseguiu obter sua independência. Nossos vizinhos do Prata aboliram a escravidão (não tinham razões econômicas para defendê-la) e mergulharam na anarquia política e no caudilhismo. Esses fatos recomendam, por si sós, uma meditação mais pausada sobre as reais alternativas diante do Brasil após 1831.

Seja como for, a primeira derrota liberal e republicana teria sido a queda do Regente Feijó, celebrado como o primeiro governante brasileiro eleito. A eleição não era realmente direta, nem Feijó obteve algo sequer parecido com a maioria dos votos: teve 2.826 votos, contra 2.251 de Holanda Cavalcanti, em um total de 8.513 eleitores de segundo grau, em um país de 4 milhões de habitantes. Digamos que a elite branca do país representasse 5% desse total; os eleitores de Feijó constituíam uma escassa minoria em 200 mil pessoas.

A versão mais recente desta interpretação do governo Feijó é a de Jorge Caldeira, que serve de introdução a uma seleção de suas obras políticas publicada pela Editora 34 em 1999. Assim é descrita sua queda:

"[A oposição] ganhou força: em 1836, as regras liberais trouxeram pencas de conservadores eleitos das províncias. Agora que eles se interessavam por eleições, o aumento do poder local facilitava a tarefa de ganhá-las com apelo à violência - garantidas pela Guarda Nacional, transformada em muitos lugares numa armada de senhores. Contra a situação, Feijó tinha poucas saídas: transigir ou endurecer. No primeiro caso, poderia ficar facilmente no governo, indicando ministros adversários e assistindo do alto de sua cadeira à instalação do que propunham: em vez de leis para combater o arbítrio, leis para legalizá-lo. No segundo, apenas cair com suas idéias. Em poucos meses de sessões, em 1837, o Parlamento tinha reduzido a nada o poder efetivo do regente - e se esmerava em criticar sua ineficiência. Por motivos opostos, ficou na mesma posição do primeiro imperador: demolido pelo Legislativo, apelando para o poder pessoal na hora de nomear ministros. Mas, ao contrário do imperador, o regente soube achar uma saída honrosa: buscar um substituto entre os adversários depois que os aliados declinaram da possibilidade de sucedê-lo. No dia 19 de setembro de 1837, depois de recusar um bispado oferecido pelo Vaticano e nomear um regressista para seu lugar, renunciou" (págs 37-38)

Costa Porto, autor de O Marquês de Olinda e seu Tempo, citado na edição Edusp de 1985, apresenta uma versão bem mais política da queda de Feijó. O Regente enfrentava, na prática, um dilema familiar na política brasileira:

"Feijó, entretanto, não tomava conhecimento da existência do Congresso, teimando - seria a censura de Marinho - em não 'aceitar as consequências do sistema representativo', e, ainda acreditando ser pouco decente e pouco digno 'angariar votos nas Câmaras'. Eleito regente com simples maioria - vitorioso porque a votação se dispersara, obtendo apenas cerca de um terço do eleitorado e, mal que iria se repetir, em eleições incoincidentes com a da Câmara, e sem voto vinculado a alguma legenda, teria de governar com minoria, pois, lembrava Álvares Machado a Costa Carvalho, em 97 deputados, contava apenas com 44 - 'o núcleo da antiga moderação' - formando os 53 restantes a 'maioria holandesa', partidários de Holanda Cavalcanti, seu grande concorrente. (...) entregará o comando, sem, entretanto, dar aos adversários o gosto de tripudiar sobre a derrota, impondo-lhes o sucessor que escolhesse. E porque os poucos amigos não aceitasse a tarefa, cercado de inimigos, fixa-se no mais suave, no menos arrebatado, no que nunca se radicalizara - Araújo Lima" (pág 81).

Exposta como resultado de um jogo parlamentar de poder, a queda de Feijó pode ser vista como uma operação bem mais sofisticada do que a mera derrota do "bom projeto liberal": trata-se de recortar a oposição em sua própria base, confrotando os Holanda Cavalcanti com um Regente pernambucano, Araújo Lima.

Assim, logo no início de 1837, a vacância de uma cadeira no Senado abre a disputa entre os irmãos Cavalcanti e Araújo Lima, apenas o terceiro mais votado na lista enviada ao Regente. Em 5 de setembro, Feijó escolhe Araújo Lima para a cadeira no Senado e, quando no dia 18, Alves Branco deixa a pasta do Império (seu titular era o substituto do Regente em caso de renúncia), Araújo Lima é nomeado para seu lugar. Feijó, então, renuncia à Regência no dia seguinte.

O jogo, portanto, segue. A retirada de cena de Feijó, no momento em que ocorre, é menos dramática do que parece. Caberia aos Moderados recompor o poder, se pudessem. Em caso de fracasso, os Liberais voltariam a seu lugar, talvez sob a liderança do mesmo Feijó.

Feijó e seus amigos talvez tenham errado em apenas um aspecto do cálculo político. Ao dividirem as elites de Pernambuco, abrem o caminho do ministério para personagens capazes de avançar uma estratégia muito mais alinhada à realidade do Poder Parlamentar no Brasil. Sob Araújo Lima, é ministro Rodrigues Torres, concunhado do Presidente da Província do Rio de Janeiro e deputado geral, Paulino José Soares de Souza.

Presidentes da Província do Rio de Janeiro


Graças a um obra singular é possível oferecer um panorama preciso de toda a política imperial: trata-se de Organizações e Programas Ministeriais. O Regime Parlamentar do Império, do Barão de Javari, publicada em 1889. A segunda edição veio apenas em 1962, por iniciativa do Arquivo Nacional, ainda funcionando no Rio de Janeiro. É a edição usada aqui, onde se encontra até mesmo um cartão pessoal de Alfredo Nasser, então ministro da Justiça.

As informações coligidas pelo Barão de Javari mostram que a Província do Rio de Janeiro foi beneficiada, até meados do século XIX, por três períodos mais longos de continuidade administrativa. Seu primeiro presidente foi justamente o patrono político de Paulino, Joaquim José Rodrigues Torres, o Visconde de Itaboraí, que a governou de 14 de outubro de 1834 a 30 de abril de 1836, quando Paulino tomou oficialmente posse. Sua gestão se estenderia por vários anos até 22 de agosto de 1840.

O gabinete da Maioridade indica para o posto Manuel José de Sousa França, que toma posse a 22 de agosto de 1840, mas o retorno conservador trará o próprio Honório Hermeto Carneiro Leão para o cargo. Ele toma posse em primeiro de dezembro de 1841 e ocupará a Presidência até 2 de março de 1843, dia da posse de João Caldas Viana.

O sucessor de Caldas foi o célebre Visconde de Sepetiba, Aureliano de Souza Coutinho, por uma longa gestão, se estendendo de 12 de abril de 1844 a 4 de abril de 1848.

Seguem-se duas curtas gestões em 1848. O Visconde de Barbacena toma posse em 7 de junho e Luiz Pedreira do Couto Ferraz a partir 12 de outubro. A seguir, Luís Antônio Barbosa assumirá o posto em 22 de setembro de 1853, conduzindo uma terceira longa gestão, deixando o posto apenas em 4 de agosto de 1857.

Na segunda metade do século XIX, a maioria dos mandatos dos Presidentes de Província do Rio de Janeiro se estenderia por pouco mais de um ano.

sábado, 27 de junho de 2009

Uma discreta estabilização política

O programa político do gabinete Vergueiro (13 de setembro de 1832) não era realizável na prática. Impossível atender, simultaneamente, ao imperativo de avançar a descentralização política e manter a monarquia, promover a autonomia das províncias e conter o caos administrativo. Cerca de um ano apenas separa a edição do Ato Adicional (12 de agosto de 1834) e a eclosão da Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul (21 de setembro de 1835). As seguidas trocas de ministros mostram a instabilidade do confronto de facções e a eleição direta de Feijó como regente único em 1835 não tinha como garantir legitimidade ao regime. Um novo gabinete é instalado em 16 de janeiro, com Silva e Souza na pasta do Império e Manuel do Nascimento Castro e Silva na Fazenda. Castro Silva chega a convidar Paulino para o ministério, mas não era o momento certo.

A crônica do fracasso de Feijó é conhecida. Instalado o governo em 12 de outubro de 1835, ajudado pelo gabinente Limpo de Abreu (14 de outubro), as turbulências políticas e administrativas prosseguem em várias províncias e o Ato Adicional revela os seus defeitos. As eleições de 1836 "trazem mais conservadores" das províncias e a oposição a Feijó cresce na Câmara acompanhando os sinais de caos. Paulino José toma assento como deputado justamente na sessão de 1837 e acompanhará a ascensão política de seu grupo. Quando ocorre a cisão do Partido Moderado, Paulino os acompanha na oposição a Feijó e é demitida da presidência da Província em 15 de setembro.

O Regente, contudo, está próximo do fim, Derrotado e sem apoio, Feijó renuncia pouco depois, em 18 de setembro de 1837, abrindo o caminho para a Regência de Pedro de Araújo Lima (1793-1870), o futuro Marquês de Olinda. No dia seguinte instala-se o gabinete chefiado por Bernardo Pereira de Vasconcelos (ministro do Império e também da Justiça), com Maciel Monteiro na Pasta de Negócios Estrangeiros, Miguel Calmon du Pin e Almeida na Fazenda, Rodrigues Torres na Marina e Rego Barros na Guerra. A demissão de Paulino é tornada sem efeito por Bernardo Pereira de Vasconcelos e ele ocupará a presidência da Província até o golpe da Maioridade, sendo exonerado em 5 de agosto de 1840.

Com um mínimo movimento eleitoral e parlamentar, forma-se uma coalizão conservadora pronta a tomar as medidas necessárias para conter o caos nas províncias e reformar a legislação produzida pela crise da Abdicação de D. Pedro I. O longo processo de independência do Brasil estava concluído - pela morte do antigo imperador, em 1834, e pelo fracasso do governo Feijó em 1837.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

"Debaixo da fiscalização e administração econômica de cidadãos honrados"

A segunda seção da Província começava a leste da Estrada do Comércio, ao sul da fronteira com Minas Gerais. Estendia-se até a baía de Niterói e ao rio Macacu. Compreendia os municípios de Magé, Paraíba e partes de Iguaçu, Vassouras e Valença. Estava sob a responsabilidade do engenheiro Júlio Koeler.

As obras em curso ou sugeridas são a pavimentação da Estrada da Estrela; a sinalização da entrada do rio Estrela; reparos da ponte sobre o Paraibuna (financiada com dinheiro do governo geral) e o conserto da estrada de Mar de Hespanha. O Relatório faz planos ambiciosos para uma nova ponte sobre o rio Paraíba. (pág 57).

A terceira seção tinha por limites a fronteira com Minas Gerais, o rio Macacu e os municípios de Niterói e Maricá. Compreendia os extremos de Nova Friburgo, Cantagalo e Itaboraí e mais o de Macacu. O engenheiro Carlos Rivière era seu chefe.

As principais obras eram os consertos na estrada de Cantagalo, a ponte do Casseribu, a estrada do Tipoda, em São Francisco de Sá, o canal entre os rios Macacu e Casseribu.

A quarta seção era definida pelas fronteiras com Minas e Espírito Santo, pelo oceano e pela terceira seção. Era composta pelos municípios de Maricá, Cabo Frio, Macaé, Campos e São João da Barra. Seu chefe era outro célebre engenheiro militar: Henrique Luiz de Niemeyer Bellegarde.

O relatório menciona as obras do Canal do Nogueira, ligando os rios Macaé e Paraíba, uma impressionante obra de engenharia fluvial; a muralha de contenção do rio Paraíba em Campos (parte dela ainda existe); a abertura dos baixios da Lagoa de Araruama (renovada ainda em 2008-2009 pelo governo Sérgio Cabral Filho); o canal entre a Valla das Cacimbas e a Lagoa de Macahu (em São João da Barra) e, por fim, uma nota especial para o projeto da ponte de ferro sobre o canal do Itajuru, em Cabo Frio. Seria concluída apenas em 1898 e substuída em 1926, pela ponte de concreto que ainda lá está. Uma nova ponte foi construída apenas no século XXI.






Imagem: ponte sobre o rio Paraibuna. Jean Baptiste Arnout em Viagem Pitoresca através do Brasil. [1835]. Google Earth, mesma locação, fronteira Minas-Rio

quarta-feira, 24 de junho de 2009

"Governar é abrir estradas"

Pode ser uma leitura exagerada dos Relatórios de 1836 e 1837, mas há um evidente entusiasmo do bacharel Paulino José com o programa de obras públicas que ia conduzindo naqueles anos. Mesmo a seção sobre o orçamento provincial parece seca e meramente informativa. Quando se abre a descrição das obras em curso, abundam os detalhes, as menções particulares, os projetos e suas consequências. O entusiasmo com a ação administrativa do Estado, cerne do Ensaio e atribuído ao período na Europa, pode ter começado bem antes, na construção das estradas, pontes e aterros pelo presidente da Província do Rio de Janeiro.

O Relatório começa informando a instalação da Diretoria de Obras Públicas, criada pela Lei Provincial de 19 de dezembro de 1836, organizada em quatro seções geográficas e chefiada pelo Coronel João Paulo dos Santos Barreto. O detalhamento é feito seção a seção, com grande riqueza de informações e descrições.

A Primeira Seção correspondia ao quadrilátero sul da Província, delimitado pelas fronteiras com Minas Gerais, São Paulo, pelo mar e pela Estrada do Comércio. Compreendia os municípios de Parati, Angra dos Reis, Mangaratiba, Itaguaí, São Joào do Príncipe, Barra Mansa, Rezende, Iguaçu, Vassouras, Valença e Niterói. Estava sob o comando do Cel Conrado Jacob de Niemeyer.

As principais obras mencionadas são: (1) a conclusão do calçamento da Serra da Estrada de Itaguaí (inclusive com colaboração de subscrição voluntária para a construção das pontes do Rio do Teixeira); (2) a abertura do Canal entre o rio Itaguaí e o Porto do Casaca; (3) a ponte do Bananal, sobre o rio Guandu; (4) as três pontes em Santa Ana do Piraí; (5) Os primeiros reparos da Estrada Velha de Parati; (6) a Estrada Geral de Mambucaba, ligação entre os municípios paulistas de Lorena e de Areias com os portos de mar (Angra e Paraty); (7) a Estrada do Saco de Mangaratiba a São João do Príncipe, com ponte sobre o Ribeirão das Lages; (8) a conservação e melhoramentos da Estrada Geral da Polícia, inclusive com a Ponte do Desengano; (9) a recuperação da Estrada do Commercio, inclusive com a barca para a passagem do Paraíba; (10) o início da Estrada do Morro da Viração (Niterói-Campos, pela costa) e (11) o aqueduto de São Lourenço (para o abastecimento de água de Niterói).

Curiosamente, a importância histórica da administração de Paulino José, registrada em vários sites e publicações relativas a prédios, estradas e pontes do estado do Rio de Janeiro, raramente é mencionada explicitamente por essas fontes.



Imagem: Ponte do Desengano, sobre o Rio Paraíba, Valença.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Limites, índios, culto

De fato, a gestão Paulino José está na origem dos levantamentos geográficos que produziriam as Cartas Chorográficas do Rio de Janeiro, publicadas em meados do século XIX. Com o propósito imediato de fixar os limites com a Província de São Paulo, o governo fluminense adota uma Lei específica, publicada em 23 de dezembro de 1836, determinando o levantamento 'à agulha' dos limites dos municípios. Uma tarefa a cargo do engenheiro militar Conrado Jacob de Niemeyer.

Em seguida, Paulino volta a pedir da Assembléia Provincial remédios legislativos para a situação dos índios (das pessoas e dos bens desses miseráveis). Informa, então, os deputados provinciais de um notável Aviso do governo geral (29 de maio de 1837) recomendando o engajamento de índios na Armada Imperial. Paulino não acredita na viabilidade dessa providência (meios brandos são pouco profícuos com gente tão inerte), preferindo apostar no sucesso do envio de meninos índios para se tornar aprendizes no Arsenal de Marinha.

Quanto ao culto público, a situação seguia tão calamitosa quanto no caso das cadeias públicas, ainda que a colaboração de cidadãos ricos tenha permitido a evolução favorável de ao menos duas obras: a Igreja de Nossa Senhora da Glória de Valença e a Matriz de Sant'Ana do Piraí, essa última atingida por um incêndio. O site da Matriz de Valença (http://www.catedraldevalenca.org.br/index.html) devidamente reconhece a importância dos créditos votados em 1837 e as seguintes loterias autorizadas para a conclusão da obra.

Abaixo, uma foto da Igreja de Nossa Senhora de Valença:



Aqui, a Matriz de Sant'Ana do Piraí:



domingo, 21 de junho de 2009

Cadeias fluminenses em 1837

Simplesmente, não havia. O Relatório insiste dramaticamente na necessidade de ampliar gastos para a construção de cadeias e prisões, que faltavam mesmo na capital da Província. O programa de obras era extenso, conduzido pelo Major Henrique Bellegarde ou por cidadãos abonados em cada Vila: Cabo Frio, Resende, Maricá, Santo Antônio de Sá (Macacu), Paraíba do Sul, Itaguaí, Cantagalo, Mangaratiba e Vassouras. Como as salas usadas como prisões não eram muito numerosas, quando o prédio era construído, ele podia abrigar cortes de justiça ou o legislativo municipal. Várias delas existem até hoje, conjuntos de Câmara-e-Cadeia, transformados em Câmaras Muncipais ou casas de Cultura.


Essa é a Cadeia de Maricá:




Esta, a de Itaboraí:



"vícios radicais e defeitos de nosso sistema judiciário"

O Relatório de 1837 traz uma seção sintomática, "Justiça Terrritorial". Seu propósito é informar a Assembléia Provincial sobre a virtual impossibilidade de aplicar a Lei de 12 de dezembro. Os novos tipos de agrupamento de Termos e Comarcas tornava impossível organizar os Juizados de Paz (colegiados de quatro juízes e mais um recorrido) e também os Tribunais do Juri. Sem condições de prover pessoal para os cargos implicitamente criados, o presidente da Província limita-se a pedir providências.

É mais uma indicação importante das origens da obra intelectual, jurídica e política de Paulino. Juiz de primeira instância em São Paulo, Juiz de Polícia na Corte, tinha uma perspectiva bem concreta da administração da justiça e, na condição de Presidente de Província, podia avaliar o impacto do Ato Adicional e da legislação correlata.

Sua obra centralizadora começa, curiosamente, na Província, como gerente da legislação de espírito federal criada em 1834.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Iluminação pública e a lógica das licitações

A seção sobre iluminação pública merece uma transcrição integral:



Para prevenir o crime nas ruas de Niterói, onde os lampiões deviam estar mais enfeitando algumas ruas do contribuindo para a segurança. Mais quarenta revérberos seriam comprados outros cem 'colocados e custeados'. Por fim, recomenda o autor do Relatório:



"Entretanto as atuais Esquadras vão prestando os serviços que delas se esperavam"

Não há muito o que mencionar sobre as seções da Guarda Nacional, Força Policial e Pedestres. O Relatório de 1837 do Presidente da Província chega perto do cômico ao relatar o volume de despesas destinadas aos armamentos da Guarda Nacional. Revelam mais sobre a incrível fascinação nacional com postos e hierarquias do que sobre o real estado da instrução militar, que muito dependia do trabalho voluntário. O mesmo vale para a Força Policial e para os Pedestres. Sobre estes, comenta o autor do Relatório:

"Não é só o receio do recrutamento existente, de que eles não estão isentos, a causa desse acontecimento. O diminuto vencimento diário de 320 réis, que lhes foi marcado, quando maior jornal ganha hoje qualquer operário, sem os trabalhos, comprometimentos e perigos a que eles tem de se sujeitar muito concorre para que recusem servir. Talvez mais voluntariamente se apresentasse se em vez de Pedestres de Comarcas, cuja extensão muitas vezes são obrigados a percorrer, o fossem de Termos ou Freguesias, empregando-se ordinariamente neles ou nestas em prender criminosos e escravos fugidos ou encontrados em contravenções de Posturas Policiais em em conduzir Ofícios de Autoridades e reunindo-se somente em qualquer ponto quando os Juízes de Direito o julgassem preciso para destruição de Quilombos ou outras importantes diligências" (Relatório, pág 17).

São trechos muito ilustrativos do grau de realismo de certa literatura sobre ordem repressiva, aparato de violência do Estado e outros aranzéis do mesmo tipo. Na mais rica província do Brasil imperial, os tais aparatos repressivos do Estado, mesmo quando paramilitares, eram recorrentemente subfinanciados. A existência de quilombos não era a excepcional manifestação de resistência, mas o resultado natural de escassas capacidades de vigilância e repressão. Quando os aranzéis são deixados de lado, pode-se bem imaginar quais eram os reais recursos da Ordem nessas décadas distantes. De todo modo, deve ser terrível viver em uma sociedade onde um policial ganha menos do que um operário especializado.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Instrução e Saúde Pública em 1837

O relatório de presidente da Província do Rio de Janeiro em 1837, assinado pelo vice-presidente José Ignácio Vaz Vieira, também começa pedindo melhores salários para a Secretaria de Governo, descrevendo os avanços na organização do arquivo do governo. Logo passa a descrever a execução das determinações das Lei de 2 de janeiro sobre a Instrução Pública, informando a nomeação do Reverendo Frei José Polycarpo de Santa Gertrudes como Diretor da Instrução Primária. Duas escolas de meninas foram criadas em Niterói e Angra dos Reis, mas oito cidades seguiam sem uma escola primária: Vassouras, Nova Friburgo, São João da Barra, Iguaçu, Santo Antônio de Sá, Resende, Barra Mansa e São João do Príncipe.

Com certa dose de orgulho, Paulino anuncia que a recém criada Escola Normal receberia, sem ônus, 4 alunos enviados pela Assembléia Provincial de Santa Catarina. Padre Viçoso foi, afinal, substituído por Manuel Joaquim Miranda Rego na direção do Seminário de Jacuecanga. Segundo o Presidente da Província, era a única instituição que oferecia aulas de Latim, Francês, Geografia e Filosofia Racional e merecia o contínuo suporte financeiro do governo.

Informa também sobre a instalação da Aula de Arquitetos Medidores, sob a direção do Major Pedro d'Alcantara Bellegarde. Pede providências para que os alunos sejam logo empregados na Diretoria de Obras Públicas.

Paulino celebra a baixa mortalidade causada em 1836 e 1837 pelas "febres endêmicas", mas lamenta o baixo interesse das municipalidades na vacinação. Em Paraty, 25 pessoas faleceram de "bexigas", apesar dos recursos disponíveis para a contratação de Cirurgiões Vacinadores. Insiste particularmente na necessidade de aportar recursos para as obras da Casa de Caridade de Cabo Frio, iniciadas em 1835, e para o Colégio de Artes Mecânicas para meninos órfãos. As meninas continuariam sendo recolhidas em instituições de amparo da Corte.



Imagem: Casa Charitas, a Casa de Caridade de Cabo Frio, inaugurada em 1840 graças aos fundos aprovados pela Assembléia Provincial.

domingo, 14 de junho de 2009

Cartografia da Província do Rio de Janeiro

Uma pesquisa nos arquivos digitais das Bibliotecas Nacionais do Brasil e de Portugal revela a existência de pelo menos quatro mapas relativos à gestão de Paulino como presidente da Província do Rio de Janeiro. Os dois primeiros estão expostos nas notas anteriores. O primeiro, do arquivo do Exército de Portugal, datado de 1823, e o segundo de Freycenet, datado de 1824. Há um terceiro, sem autoria definida, mas datado de 1840 e exposto nessa nota. O grande mapa, contudo, foi encomendado pela Assembléia Provincial em 1837 ao coronel Conrado Jacob de Niemeyer e publicado apenas em 1858 ou 1861, dependendo da fonte. O mapa de Niemeyer será apresentado mais à frente, em todos os seus detalhes, inclusive as plantas das principais cidades.



(Carta da Província do Rio de Janeiro, 1840. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro)

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Mapa da Província do Rio de Janeiro, 1823


(Carta geographica da Província do Rio de Janeiro / copiada no Real Archivo Militar. - Escala [ca. 1:440 000], 4 legoas portuguezas de 18 ao gráo = [5,50 cm]. - 1823. - 1 mapa : ms., color. ; 63 x 97 cm. ) Arquivo do Exército. Portugal.

Mapa da Província do Rio de Janeiro, 1824


(Imagem: Mapa da Província do Rio de Janeiro, por Louis de Freycinet, oficial de Marinha. Biblioteca Nacional de Portugal.

"a calçada da Serra de Itaguahy tem continuado"

Impressiona a lista de obras previstas ou planejadas no relatório de 1836, conduzidas apenas com os recursos provinciais:

1) calçamento a estrada da Serra de Itaguaí; (2) a ponte sobre o rio Itaguaí; (3) obras de regularização da foz do rio Itaguaí; (4) estrada da serra de Mangaratiba; (5) ponte sobre o Ribeirão das Lajes; (6) a estrada Angra dos Reis-Bananal; (7) a estrada nova de Parati; (8) uma ponte sobre o rio Piraquê, (9) uma ponte sobre o rio Guandu na estrada de Piraí; (10) o trecho para o interior da estrada da Pavuna; (11) a ligação entre Minas e Rio de Janeiro pelas estradas do Comércio, Polícia e Rodeio; (12) o reparo da barca sobre o Paraíba na estrada do Comércio; (13) três pontes na estrada entre a Serra da Viúva e a serra de Santa Ana; (14) a ponte do Desengano entre Valença e Vassouras; (15) a ponte de Santa Ana do Piraí; (16) a ponte sobre o Paraíba em Barra Mansa; (17) a ponte de Resende; (18) a junção dos rios Provedor e Cachoeira em Iguaçu; (19) a estrada da Serra da Estrela; (20) a ponte grande sobre o Paraíba em Villa Parahiyba; (21) a ponte do rio Inhomirim; (22) a estrada do Cantagalo, via Nova Friburgo e Porto das Caixas; (23) a estrada de Magé ao rio Paraíba; (24) o canal do Nogueira em Campos; (25) os muros de contenção do rio Paraíba em Campos; (26) o projeto da ligação do Paraíba com o rio Macaé; (27) o projeto de estrada Cantagalo-Campos; (28) aterro dos pântanos no rio Macacu e (29) encanamento do rio São Lourenço e construção do chafariz de abastecimento.

Do ponto de vista administrativo, registra-se, em primeiro lugar, a divisão do estado em três setores, postos sob a responsabilidade de engenheiros militares, como o coronel Conrado Jacob de Niemeyer, o brigadeiro José Souza Soares de Andréa, os oficiais Júlio Frederico Koeler e Henrique Luiz de Niemeyer Bellegarde, o capitão Jerônimo Francisco Coelho. Em segundo lugar, o uso recorrente de subscrições por meio das quais cidadãos ricos pagavam, parcial ou integralmente, por obras públicas. Paulino informa também sobre o uso do Serviço de Colonização como fonte de mão de obra para as obras públicas.

Por fim, é evidente a ênfase na construção das estradas e pontes ligando as províncias de Minas Gerias e de São Paulo aos portos de Angra dos Reis e Magé.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

"acha-se inteiramente entrelaçado"

O Relatório de 1836, antes de chegar na administração financeira da província, examina a situação calamitosa das cadeias públicas, várias delas de pau a pique. Em muitas cidades, Paulino espera que cidadãos abonados ajudem, com contribuições em dinheiro, para a construção de celas ou salas com grades. Anuncia aos deputados que encomendou um plano de recuperação geral aos engenheiros do governo da Província.

Seu texto, contudo, estende-se com maior largueza, como é compreensível, pela incipiente organização do sistema de arrecadação. Um sistema afetado por fraudes com guias de mercadorias de outros estados, diferenciais de alíquota sobre o café, postos isolados de arrecadação e até mesmo pela "língua" de território de São Paulo entre Resende e Angra dos Reis. Paulino informa sobre a criação de 11 Registros e 7 Coletorias de portos marítimos. Pede aumentos para os fiscais deslocados para as áreas mais distantes e informa sobre a insuficiência da legislação vigente para coibir fraudes.

O problema real era a separação entre a gestão tributária dos impostos gerais e dos provinciais. A necessidade de duas máquinas de arrecadação distintas causava problemas ainda hoje bem vivos no Brasil. O veredito do presidente da Província era rigoroso:

"Em verdade, senhores, o nosso sistema de impostos provinciais, quanto à sua arrecadação, acha-se inteiramente entrelaçado com a das rendas gerais que se cobram em nossa província" (pág 32).

De todo modo, as rendas provinciais eram suficientes e geravam algum saldo mensal. Paulino, contudo, não se engana: o fato devia-se, principalmente, à existência de restos a pagar desconhecidos e um nível absurdamente baixo de despesas públicas com atividades fundamentais como educação ou segurança pública. Não era difícil, sugerem suas palavras, produzir um superavit fiscal nessas condições.

A leitura do Relatório de 1836, em seus pequenos detalhes e menções anedóticas, como a ocorrência comum de fugas gerais de presos em várias cidades (só restaram em uma delas dois escravos, porque estavam a ferros), mostra o nível incipiente da organização administrativa provincial mesmo no rico Rio de Janeiro, produtor de café. Era impossível não alimentar pessimismo com relação ao confuso federalismo implantado pelo Ato Adicional de 1834, que deslocara imensas responsabilidades para entidades que sequer tinham funcionários para arrecadar seus impostos.

terça-feira, 9 de junho de 2009

"pouca confiança e inclinação"

Assim avaliava o presidente da Província do Rio de Janeiro os ânimos marciais da população em seu relatório de 1836. Limitações orçamentárias levaram-no a dispensar todos os Cornetas e Clarins para que pudesse ao menos manter o corpo de Instrutores. As armas disponíveis eram poucas e muitas haviam sido levadas pelos antigos membros das milícias. Imprestáveis. As despesas com a Guarda Nacional, de resto, eram puro desperdício, jogar dinheiro fora.

Das 11 Legiões fixadas para o território provincial, apenas quatro tinham presença em apenas um município; as demais eram espalhadas por amplo território. Sem instrução regular, a tropa não comparecia aos exercícios e revelava péssima disciplina. A mesma situação repetia-se no caso das forças policiais, cujo recrutamente ainda sofria por conta do temor de transferência para o Exércio ou para a Marinha. Muito mais seguro, por exemplo, era a posição de policial na Corte, para onde muitos candidatos em potencial seguiam. Paulino não tinha alternativa senão manter gratificações e abonos para os policiais.


(Imagem: fuzileiros da Guarda Nacional)

segunda-feira, 8 de junho de 2009

"que nunca se achou em bom pé"

É seu julgamento sobre a administração dos bens dos índios. Antes a cargo dos Ouvidores da comarca, ela passou, com considerável piora, aos Juízes de Órfãos, por determinação do novo Código de Processo. Não houve, contudo, a criação de foros específicos e, assim, os processos foram transferidos aos juizados comuns. Os problemas descritos por Paulino são familiares:


Deveria ser nomeado um Curador ou um Solicitador, responsável pelos processos em favor dos índios e em defesa de suas terras, mas nunca havia recursos para pagá-los. Paulino insinua, ademais, que defender a terra dos índios podia ser uma atividade de risco. Conclui Paulino, pedindo providências legislativas à Assembléia Provincial (pág 8):

domingo, 7 de junho de 2009

''É sobretudo mui escasso o ordenado"

O relatório do Presidente da Província do Rio de Janeiro, Paulino José Soares de Souza, tratando de seu primeiro ano de gestão - 1836 -, enviado aos deputados da Assembléia Provincial começa com um traço notável: a defesa do aumento salarial para vários funcionários públicos. A começar dos servidores da Secretaria de Governo, que também atendiam a Assembléia.

"É sobretudo mui escasso o ordenado de 200 mil réis que tem o Correio, devendo ser pessoa de confiança e probidade, por depender dele a fiel e pontual entrega das ordens, muitas vezes importantes" (pág 1)

A melhor remuneração era necessária principalmente para os professores do ensino fundamental.

"A necessidade de medidas que tirem a instrução elementar do estado deplorável a que tem chegado há sido por vós palpada e reconhecida. Somente providenciais mui valentes e heróicas poderão fazer nascer e medrar entre nós a carreira do Magistério que, apesar de tão útil e tão nobre, tem estado entregue até agora à indiferença e talvez ao desprezo" (pág 2).

Havia apenas 17 alunos na Escola Normal e não seria possível aumentá-los sem estímulo salarial. Perguntava Paulino como esperar que jovens dedicassem dois anos de sua vida à Escola Normal para receber um salário de 400 mil réis?

"A educação ou o hábito empuxa, é verdade, a nossa mocidade para os empregos públicos; apenas vaga ou se cria algum, são inúmeros os pretendentes. Não se tem verificado isso, porém, com os lugares do Magistério, ou pelo diminuto ordenado que têm ou porque é trabalhoso e enfadonho o cumprimento de seus deveres. O caso é que existem cadeiras criadas há mais de 5 e 6 anos que nunca forão sequer pedidas." (pág 3).

Paulino também discorre sobre a manutenção do seminário de Jacuecanga, em perigo por conta da situação do Padre Antônio Ferreira Viçoso, que trabalhava sem receber há doze anos, tendo criado o seminário a pedido de Pedro I. Paulino pede dois contos de réis para sua manutenção em 1837.

Aproveitando o ensejo, passa ao exame da situação dos templos religiosos, cuja manutenção era custeada com recursos públicos. Nada menos que trágica era a situação de todas as Matrizes, onde se celebram os mysterios da religião de Estado. Não eram suficientes, portanto, os 6 contos de réis consignados no Orçamento.

Padre Viçoso (Peniche, 1787 - Mariana, 1875) não é um personagem ordinário, mas um celebrado religioso vicentino ligado ao Santuário do Caraça. Lê-se em sua biografia que as providências pedidas por Paulino em seu relatório não adiantaram muito, tendo retornado a Minas Gerais em 1837. O site da prefeitura de Angra dos Reis reconhece que sobraram apenas ruínas. O prédio atual é de construção recente.

(http://www.santuariodocaraca.com.br/peregrinacao/dom_vicoso2.php)



Imagem: Seminário de Jacuecanga.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Deputado e Presidente de Província

O ministério de 13 de setembro de 1832 sobreviveu por quase quatro anos e quando Manuel do Nascimento Castro e Silva foi encarregado, em 1835, de compor um novo governo, convidou Paulino (carta de 12 de janeiro) a ocupar a pasta da Justiça. Recusou, alegando não ter "forças suficientes". Não poderia recusar, contudo, o convite de Evaristo da Veiga para concorrer a deputado provincial, nas eleições para a Assembléia recém-criada pelo Ato Adicional, que separou a cidade do Rio de Janeiro da Província, criando o Município Neutro. Em 1836, como deputado provincial, começa sua luta contra o federalismo confuso criado pela legislação de 1834 e sua ambiguidade na definição de empregados gerais e empregados provinciais.

Seu projeto de reforma do federalismo brasileiro não começa, portanto, de uma posição no governo geral, mas da experiência de deputado provincial. Comenta o autor da Vida do Visconde: "As bases da interpretação estavam assentadas antes mesmo da existência do Partido Conservador. Paulino, com uma visão perfeitado futuro, prepara e desenvolve a obra da reação conservadora, quando ainda não existiam os conservadores" (pág 47).

Incluído na lista de vice-presidentes da Província, ocupou o cargo interinamente no impedimento de Rodrigues Torres em 22 de abril de 1835 e definitivamente após a exoneração deste, em 1836. A nomeação, de forma irônica, é feita pelo Regente Feijó. No dia 30 de abril de 1836, presta juramento como Presidente da Província do Rio de Janeiro, o segundo desde sua criação. Tinha então 29 anos de idade.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Emprego e casamento


O regente Costa Carvalho (1796-1860), com a anuência de seu ministro da Justiça, Padre Diego Antônio Feijó, proporcionou o primeiro emprego a Paulino: juiz em São Paulo, para onde retornou em fevereiro de 1832. Em pouco tempo, foi nomeado Ouvidor da Comarca e firmou reputação de juiz eficiente, que não deixava processos parados. Por essa época, acompanhava os eventos políticos de longe, pela correspondência com Costa Carvalho e Antônio Carlos. As coisas começam a mudar, para mal e para bem, com o ministério de 13 de setembro.

Para mal por conta das leis de 29 de novembro (Código de Processo) e de 12 de outubro que marcam o início da turbulência política e administrativa da Regência. Para o bem porque Honório Hermeto Carneiro Leão, seu amigo de Coimbra, assume a posição de ministro da Justiça. Em pouco tempo, Paulino é transferido para a Corte, onde chega em 13 de novembro. Nem um ano ficara em São Paulo.

Honório logo o encarrega do expediente da Intendência Geral de Polícia, designa-o Juiz Conservador da Nação Inglesa e Juiz do Cível na 2 Vara da Corte. Em 5 de outubro de 1833, o novo ministro da Justiça, então Aureliano de Sousa Coutinho, designa Paulino para integrar uma comissão que examinará a revisão de toda a legislação do país, principalmente aquela recentemente editada. É a primeira ocasião em que o bacharel e juiz Paulino José examinará, de forma oficial, as instituições políticas do Brasil, em plena confusão regencial.

O passo decisivo, contudo, para a carreira política foi talvez seu casamento, em 20 de abril de 1833, com D. Ana Maria de Macedo Álvares de Azevedo. Ela com treze anos de idade; ele, com vinte e cinco. É assim descrita sua equação matrimonial:

"Foi em grande parte devido ao seu casamento que Paulino, em breve, se tornará um dos chefes conservadores de maior prestígio na Província do Rio de Janeiro. Sua mulher era cunhada de Rodrigues Torres e tinha parentesco e relações de família com os principais fazendeiros da baixada, que representavam então uma das mais consideráveis forças políticas da província" (Vida, pág 45).

O primeiro filho, também Paulino José, nasceu em 21 de abril de 1834. Foram sete nascimentos, o último em 1858.

(Imagem: José de Costa Carvalho, Marquês de Monte Alegre)

terça-feira, 2 de junho de 2009

30 de agosto de 1838 (segue)


Paulino mantém a pressão sobre a oposição liberal, que resiste à interpretação do Ato Adicional em silêncio, sem conseguir explicar as demandas de seus próprios ministros por mudanças na lei, nem as contradições administrativas criadas pela letra da lei, que divide arbitrariamente um mesmo domínio público entre os governos geral e provincial. Se o federalismo dual do Ato Adicional é para valer, sustenta Paulino, ele precisa ter suas fronteiras definidas e o caminho da interpretação é o de menor custo político: requer maiorias simples e só atinge artigos que realmente causavam problemas. Paulino é generoso: oferece à oposição uma escusa clássica. Trate a interpretação como uma questão de Estado e ela ficará "acima dos partidos"...

segunda-feira, 1 de junho de 2009

"era, portanto, mister desenvolver mais o princípio federativo"

O trecho final do discurso de 27 de agosto de 1838 também surpreende: mostra Paulino José defendendo a letra do Ato Adicional, ainda que propondo um novo espírito. Ele simplesmente recusa, por estratégia ou sinceramente não importa, a acusação de que pretenda destruir o Ato Adicional. Invoca mesmo trechos dos relatórios dos ministros da Justiça de gabinetes liberais onde pedem da Câmara soluções legislativas para os problemas criados pela interpretação dada pelas províncias ao Ato Adicional: a liberdade de legislar sobre os funcionários do governo central em seus territórios. A maior fonte de abusos políticos e de caos administrativo, na opinião de Paulino.

O que se pode notar em suas ponderações são os traços da mais antiga teoria sobre a oreganização federal do Estado: o chamado federalismo dual. Com apenas uma diferença importante. Enquanto a Constituição dos Estados Unidos transfere aos estados os poderes não reservados à União; o Ato Adicional fazia o inverso, definindo as atribuições das Assembléias provincias de forma explícita e deixando os poderes não reservados à Assembléia Geral. É sobre essa interpretação constitucional que Paulino José pretende circunscrever a autonomia das assembléias provinciais aos assuntos provinciais e aos funcionários provinciais, nos quais não deve e não pode haver interferência do governo geral. E vice-versa.

É esse o espírito da interpretação que oferece do Ato Adicional e a base dos remédios propostos: o restabelecimento do federalismo dual implícito em seus artigos. A centralização refere-se apenas àquelas atividades que, de forma explícita, implícita ou interpretativa, cabem ao governo geral. À União diríamos hoje, quando planeja-se, no Congresso, a devolução da responsabilidade pelos códigos florestais aos estados.

27 de agosto de 1838 (trecho final)