terça-feira, 30 de junho de 2009

Elementos para uma teoria política do Império

A história dos regimes socialistas no século XX mostra que mesmo os governos mais totalitários e menos abertos à contestação social terminam forçados a admitir alguma forma de competição política e de busca de legitimidade. As meras fraquezas humanas, a doença, a morte, exigem mecanismos de sucessão e consenso interno. Eventos externos podem desestabilizar a mais feroz ditadura política. Assim, o governo de Cuba precisou adotar, recentemente, uma forma de sucessão dinástica - um modelo fundamentalmente hispânico de política tradicional. O governo do Irã está aprendendo uma dura lição depois que resolveu patrocinar a mais inocente das fraudes políticas: roubar uma eleição.

A ausência de democracia não desqualifica, portanto, o regime instalado no Brasil em 1822 como objeto de uma investigação rigorosa. O estudo de sua dinâmica não é um esforço antiquário, meramente historiográfico.

Para começar, ele pode ser considerado muito mais liberal e aberto do que os atuais governos socialistas ou do que a república islâmica. Possuía instituições representativas franqueadas à competição entre elites, definições formais de direitos individuais bem mais amplas e meios de informação submetidos a muito menor controle oficial, se descontamos as questões relativas aos costumes. Havia mais jornais no Rio de Janeiro na década de 182o do que na Havana de 2009.

O trabalho escravo certamente impunha limitações consideráveis ao conteúdo da política e à dimensão do eleitorado, mas um homem livre, mesmo negro, poderia participar da vida eleitoral e partidária. A abolição do trabalho escravo foi conquistada dentro da mais absoluta normalidade parlamentar: o ventre livre, os sexagenários e a abolição são o resultado de leis e portam tal nome.

O teste fundamental das instituições - sua resistência ao estresse - foi cumprido pela Constituição de 1824 com uma consistência não revelada pelas constituições republicanas posteriores. Pedro I foi contestado pelas ruas e pelo Parlamento e abdicou. O regime passou normalmente ao formato regencial, com o qual superou rebeliões estaduais e promoveu notável sucessão no comando político do país. Outro fato nem sempre realçado: a competição entre elites e o combate a rebeliões estaduais jamais deu oportunidade ao envolvimento militar com a política. Mesmo nos piores dias, por sinal, os ministros da Marinha e da Guerra eram políticos civis.

A política imperial deve, assim, ser analisada normalmente com instrumentos modernos, sem a necessidade de incorrer em anacronismos e fazer concessões conceituais. Da abdicação de D. Pedro I à queda de Feijó identificamos dois elementos fundamentais:

1) Definição da autoridade do Poder Executivo: o Monarca exercerá suas atribuições dentro dos limites constitucionais; o Gabinete governará com a confiança da Câmara.

2) Definição da autoridade do Poder Legislativo: os grupos e facções serão constituídos em bases eleitorais estaduais, mas se organizarão nacionalmente. O conflito político será circunscrito à arena parlamentar e sua extensão eleitoral será definida de forma derivada.

Assim, apesar de todo o debate sobre o poder pessoal do monarca ou da extensão do Poder Moderador, as instituições imperiais criaram um notável sistemas de checks and balances contra um Executivo forte. O Monarca não poderia alimentar ambições absolutistas depois de 1831; o modelo do Regente Único, eleito pelo povo, fracassou em 1837. O Executivo legítimo, desde então, seria apontado pela Câmara e governaria enquanto durasse sua confiança, por mais subjetiva que fosse sua definição.

Outra consequência nem sempre reconhecida: as décadas imperiais forjaram uma tradição fortíssima de governo moderado, partilhado e consensual. O primeiro período de ditadura pessoal aberta, conduzida pelo Poder Executivo, foi iniciado apenas em 1937, cem anos após a queda de Feijó, sob as pressões políticas e ideológicas de uma conflagração mundial. Coincidentemente, o único período histórico em que o Parlamento instalado em 1823 deixou de funcionar regularmente.

Por fim, a despeito de toda a retórica revolucionária e irredentista de parte de suas elites, o Parlamento é o centro silencioso e real do poder político no Brasil. Nenhum governo, a médio prazo, sobrevive ou triunfa sem uma estratégia de poder parlamentar. É nesse e para esse ambiente que são formadas as vocações políticas brasileiras. As exceções são raras e ocasionais: são efetivamente exceções.

A oposição silenciosa de 1836, cujos nomes mal são mencionados pelas páginas da história, tratada como uma "penca de conservadores", certamente não tinha a mais pálida idéia do que havia conquistado em seu combate contra Feijó, mas consolidou as bases de um tradição política secular. O Regente derrotado voltaria, anos depois, às ruas para comandar uma revolução liberal, mas seu grande feito foi transferir o poder, em silêncio, para a oposição parlamentar.

Por um acaso da História, tinha assento nessa Câmara, o presidente da Provincia do Rio de Janeiro. Pouco interessado em pronunciamentos, Paulino José Soares de Souza escreveria as leis que dariam forma à realidade política criada por tais embates.

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