domingo, 28 de junho de 2009

Duas versões para a queda do Regente Feijó

Tornou-se popular, nos últimos anos, a idéia de que política brasileira poderia evoluir em um sentido republicano, federalista e anti-escravista após a queda de D. Pedro I. Os liberais viveram a boa derrota, lutando pela boa causa. Os Estados Unidos não conseguiram conjugar independência e abolição do trabalho escravo. Cuba não conseguiu obter sua independência. Nossos vizinhos do Prata aboliram a escravidão (não tinham razões econômicas para defendê-la) e mergulharam na anarquia política e no caudilhismo. Esses fatos recomendam, por si sós, uma meditação mais pausada sobre as reais alternativas diante do Brasil após 1831.

Seja como for, a primeira derrota liberal e republicana teria sido a queda do Regente Feijó, celebrado como o primeiro governante brasileiro eleito. A eleição não era realmente direta, nem Feijó obteve algo sequer parecido com a maioria dos votos: teve 2.826 votos, contra 2.251 de Holanda Cavalcanti, em um total de 8.513 eleitores de segundo grau, em um país de 4 milhões de habitantes. Digamos que a elite branca do país representasse 5% desse total; os eleitores de Feijó constituíam uma escassa minoria em 200 mil pessoas.

A versão mais recente desta interpretação do governo Feijó é a de Jorge Caldeira, que serve de introdução a uma seleção de suas obras políticas publicada pela Editora 34 em 1999. Assim é descrita sua queda:

"[A oposição] ganhou força: em 1836, as regras liberais trouxeram pencas de conservadores eleitos das províncias. Agora que eles se interessavam por eleições, o aumento do poder local facilitava a tarefa de ganhá-las com apelo à violência - garantidas pela Guarda Nacional, transformada em muitos lugares numa armada de senhores. Contra a situação, Feijó tinha poucas saídas: transigir ou endurecer. No primeiro caso, poderia ficar facilmente no governo, indicando ministros adversários e assistindo do alto de sua cadeira à instalação do que propunham: em vez de leis para combater o arbítrio, leis para legalizá-lo. No segundo, apenas cair com suas idéias. Em poucos meses de sessões, em 1837, o Parlamento tinha reduzido a nada o poder efetivo do regente - e se esmerava em criticar sua ineficiência. Por motivos opostos, ficou na mesma posição do primeiro imperador: demolido pelo Legislativo, apelando para o poder pessoal na hora de nomear ministros. Mas, ao contrário do imperador, o regente soube achar uma saída honrosa: buscar um substituto entre os adversários depois que os aliados declinaram da possibilidade de sucedê-lo. No dia 19 de setembro de 1837, depois de recusar um bispado oferecido pelo Vaticano e nomear um regressista para seu lugar, renunciou" (págs 37-38)

Costa Porto, autor de O Marquês de Olinda e seu Tempo, citado na edição Edusp de 1985, apresenta uma versão bem mais política da queda de Feijó. O Regente enfrentava, na prática, um dilema familiar na política brasileira:

"Feijó, entretanto, não tomava conhecimento da existência do Congresso, teimando - seria a censura de Marinho - em não 'aceitar as consequências do sistema representativo', e, ainda acreditando ser pouco decente e pouco digno 'angariar votos nas Câmaras'. Eleito regente com simples maioria - vitorioso porque a votação se dispersara, obtendo apenas cerca de um terço do eleitorado e, mal que iria se repetir, em eleições incoincidentes com a da Câmara, e sem voto vinculado a alguma legenda, teria de governar com minoria, pois, lembrava Álvares Machado a Costa Carvalho, em 97 deputados, contava apenas com 44 - 'o núcleo da antiga moderação' - formando os 53 restantes a 'maioria holandesa', partidários de Holanda Cavalcanti, seu grande concorrente. (...) entregará o comando, sem, entretanto, dar aos adversários o gosto de tripudiar sobre a derrota, impondo-lhes o sucessor que escolhesse. E porque os poucos amigos não aceitasse a tarefa, cercado de inimigos, fixa-se no mais suave, no menos arrebatado, no que nunca se radicalizara - Araújo Lima" (pág 81).

Exposta como resultado de um jogo parlamentar de poder, a queda de Feijó pode ser vista como uma operação bem mais sofisticada do que a mera derrota do "bom projeto liberal": trata-se de recortar a oposição em sua própria base, confrotando os Holanda Cavalcanti com um Regente pernambucano, Araújo Lima.

Assim, logo no início de 1837, a vacância de uma cadeira no Senado abre a disputa entre os irmãos Cavalcanti e Araújo Lima, apenas o terceiro mais votado na lista enviada ao Regente. Em 5 de setembro, Feijó escolhe Araújo Lima para a cadeira no Senado e, quando no dia 18, Alves Branco deixa a pasta do Império (seu titular era o substituto do Regente em caso de renúncia), Araújo Lima é nomeado para seu lugar. Feijó, então, renuncia à Regência no dia seguinte.

O jogo, portanto, segue. A retirada de cena de Feijó, no momento em que ocorre, é menos dramática do que parece. Caberia aos Moderados recompor o poder, se pudessem. Em caso de fracasso, os Liberais voltariam a seu lugar, talvez sob a liderança do mesmo Feijó.

Feijó e seus amigos talvez tenham errado em apenas um aspecto do cálculo político. Ao dividirem as elites de Pernambuco, abrem o caminho do ministério para personagens capazes de avançar uma estratégia muito mais alinhada à realidade do Poder Parlamentar no Brasil. Sob Araújo Lima, é ministro Rodrigues Torres, concunhado do Presidente da Província do Rio de Janeiro e deputado geral, Paulino José Soares de Souza.

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