sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Paulino como cientista social

Assim como é canônico apresentar Paulino José Soares de Souza como o "defensor da centralização política", o título de sua obra maior o condena ao status de "pioneiro do direito administrativo". Um precursor, quem sabe, do prolífico Hely Lopes Meirelles. Paulino, entretanto, não escreveu tendo em mente o futuro republicano e autoritário do Brasil; refletiu sobre o Parlamentarismo brasileiro, no contexto dos regimes contemporâneos. Essa constatação trivial permite que examinemos com maior cautela a vizinhança desse ponto no tempo e a topologia por ela definida.

A detalhada tabela dos registros criminais na Província do Rio de Janeiro entre 1836 e 1839 pode apontar, assim, para um universo de idéias mais amplo do que um mero exercício de Direito Administrativo, na verdade, um experimento de gestão pública baseada em princípios científicos e dados quantitativos. Surge aqui uma conexão com o emergente estudo das estatísticas sociais na obra do matemático belga Adolphe Quételet (1796-1874), cujas Recherches Statistiques sur le Royaume des Pays Bas começaram a ser publicadas ainda em 1827 e cujo clássico da estatística social Essay de Physique Sociale teve sua publicação em 1835.

Nessas obras, Quételet avança concepções ousadas sobre o estudo matemático das realidades sociais e seu trabalho seria coroado com a organização do congresso internacional de estatística, realizado em Bruxelas em 1853. (v. Stephen Stigler. Statistics on the Table. The History of Statistical Concepts and Methods. 1999, capítulo 2). Paulino, que jamais perdeu sua relação intelectual com o mundo francófono, foi correspondente de sociedades científicas belgas.

Na verdade, há mais do que uma sugestão: esse mesmo programa científico está descrito no início dos Elementos de Economia Política e Estadística, de Adriano Forjaz de Sampaio, professor da Faculdade de Direito de Coimbra, em 1839 (segunda edição em 1841 e terceira edição em 1845). Em Coimbra, Paulino se formou e a obra de Forjaz Sampaio é citada como fonte ao longo do Tratado do Direito Administrativo. Em sua introdução, Sampaio chega a sugerir ao governo de Portugal que separe as faculdades de direito das faculdades de ciências políticas e administrativas, de acordo com o modelo alemão.

Mais, portanto, do que um mero precursor do direito administrativo, a tabela de crimes impressa no Relatório do Presidente da Província do Rio de Janeiro e seus comentários sobre a necessidade de um estudo quantitativo dos problemas da sociedade mostram um Paulino perfeitamente alinhado com a emergência das técnicas do governo moderno, no campo da economia e da ciência política. O significado histórico e intelectual do Tratado vai muito além do que sugere seu título.

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