quarta-feira, 15 de julho de 2009

Uma sessão da Câmara dos Deputados em 1838


A sessão de 6 de setembro de 1838 começou às dez horas da manhã, sob a presidência do deputado Araújo Viana. Verificava-se a existência de número legal, abria-se a sessão, a ata da sessão anterior era lida e aprovada. Os Anais então relacionam os deputados que faltaram com causa e sem causa.

O expediente começou com a leitura de ofícios ministeriais: naquele dia eles tratavam da concessão de pensões militares, da fixação de ordenados para funcionários públicos, um deles comunicava a revisão das quantias pedidas pelo antigo comissário geral do Exército, outro da concessão de benefícios fiscais a uma tecelagem em Goiás, da curiosa fixação de uma pensão por extinção de um cargo público e algumas resoluções administrativas do Regente.

Em seguida são lidos projetos de lei tratando do pagamento, pela Fazenda Pública, de indenizações determinadas pelo Poder Judiciário e da equiparação dos salários dos escrivães da Marinha. Há também requerimentos em votação. O deputado Carneiro Leão quer informações sobre uma cudelaria em Minas Gerais de propriedade de D. Pedro I. O deputado Ferreira Penna pede que a comissão de assembléias provinciais defina as condições de elegibilidade do deputado provincial. Vota-se também um aumento para os professores de bellas artes e um projeto de Aureliano de Souza Coutinho sobre o aterramento dos pântanos entre a Cidade Nova e o Rocio é registrado para tramitação.

Os deputados liberais fazem, então, uma declaração de voto contrário à lei do Orçamento de 1839, então na terceira discussão. Em seguida, uma peça impressionante. Um parecer assinado por José Clemente Pereira invalidando a eleição em várias cidades de Sergipe por contra de fraudes evidentes. Carneiro Leão, em voto separado, discorda e pede a anulação das eleições em toda a Província.

Mais um projeto é julgado objeto de consideração, autorizando a mesa da Santa Casa da Misericórdia a celebrar contratos de soldadas de órfãos, expostos e expostas, sem intervenção obrigatória do juiz de órfãos. A legislação pertinente era um Alvará Real de 1775.

Começa então a segunda parte da Ordem do Dia, com a discussão do artigo 4 do projeto de Lei de Interpretação, justamente a emenda assinada por Carneiro Leão e Paulino definindo o sentido do termo “magistrado” no Ato Adicional, artigo 7. A emenda é aprovada, prejudicando os textos alternativos e passa-se à votação do artigo 5, que trata do processo dos magistrados pelas assembléias legislativas provinciais.

Apresenta-se primeiro ao debate o deputado João José Moura Magalhães (1790-1850), eleito pela Bahia, para expressar dúvidas sobre a capacidade da Assembléia Geral reformar decisões das assembléias provinciais em processos contra magistrados. Se estas funcionam como tribunal de justiça, como Poder Judiciário, suas decisões não poderiam ser invadidas pelo Legislativo.

É respondido pelo deputado por São Paulo, Antônio Carlos de Andrada Machado e Silva (1773-1845), irmão de José Bonifácio: mesmo assumindo as funções judiciais, a assembléia continua sendo um órgão legislativo e suas decisões podem ser revistas pela Assembléia Geral. Pede, entretanto, que a emenda de Paulino e Hermeto seja dividida em duas partes – quer votar contra a segunda. É acompanhado no pedido pelo deputado Venâncio Henriques de Rezende (1784-1866) , um religioso eleito por Pernambuco e que já tinha sido presidente da Câmara dos Deputados em 1834. Nesse ponto, Paulino intervém para defender o artigo, mas os Anais não registram suas palavras.

O deputado Jerônimo Coelho (1806-1860), que além de deputado geral era também deputado na assembléia provincial de Santa Catarina, não se deixa convencer e vai enumerando os problemas judiciais criados pela transformação da assembléia em tribunal: identidade de quem faz a pronúncia e quem julga; diferença de veredito com respeito à justiça criminal; falta de definição constitucional da ação do procurador nesses casos. Recomenda, portanto, que a Assembléia seja considerada apenas um tribunal administrativo.

Paulino responde de forma política: os defeitos mencionados não são da Lei de Interpretação, mas do próprio Ato Adicional. É ele que determina a revisão, pela Assembléia Geral, de todo e qualquer ato ou lei provincial; é ele que fez das assembléias responsáveis por processos contra magistrados. Por isso, aliás, a diferença de vereditos com respeito à justiça criminal não é um problema: cada poder aplicará as penas facultadas pela lei.

Moura Magalhães volta à carga. Aceita a opinião de Paulino, mas pergunta o que aconteceria se o veredito provincial é derrubado pela Assembleía Geral. Continuaria respondendo o processo criminal? Outro problema: a Assembléia Provincial pode apurar a responsabilidade de um juiz que é também membro da Assembléia Geral?

Nesse momento, é visível que o debate pode enveredar pela série infinita de paradoxos criados pelo julgamento de crimes de responsabilidade pelo Poder Legislativo. (Recentemente, o ex-presidente Collor foi punido pelo Congresso com o impeachment, mas foi absolvido pelo STF das acusações de corrupção que basearam a denúncia perante o Senado).

Então intervém Carneiro Leão para dizer que se o projeto de lei tiver de responder a todas essas dúvidas sua discussão consumirá anos. As assembléias não podem julgar como corpos políticos porque, nesse caso, sem as garantias do devido processo. Se julgam, é como tribunais, de acordo com a lei. Também não há problema no fato de assumirem a pronúncia e o julgamento: tal ocorre em todas as instâncias superiores dos poderes e também nos Estados Unidos da América. Jerônimo Coelho não se dá por convencido, mas o artigo vai a votação. É aprovado, mas os Anais não registram a contagem de votos, nem o procedimento.


(segue)


(Imagem: sala de sessões do prédio da Cadeia Velha, onde funcionava a Câmara dos Deputados).

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